sábado, 28 de fevereiro de 2015

28.02.2015

Você me deixou. E cada pedaço do meu corpo é um móvel coberto por um lençol branco em algum casarão antigo e desertado. A minha alma correu, bateu portas, deixou passos de sangue pelo corredor. Eu ouvindo o rangido da madeira, algo assustador juntado ao vento entrando pelas janelas, a umidade da noite, as árvores balançando lá fora, antes barulhos que penetravam nossas conversas, nossas pontes e trocas, agora apenas assombram uma noite eterna, um relógio parado e a casa esquecida. A minha alma bateu alguma porta na casa, emoções que ela não suportava, e um cotidiano insuficiente, o barulho buscando estourar as bolhas de uma queimadura de segundo grau em setenta por cento do corpo, e o estalo da porta apenas servia apenas para agitar os fantasmas da casa, que trocavam de repente de aposento, e se via vultos pelo corredor, portas que sempre se fechavam, e no entanto, sempre estavam abertas e expostas. A minha alma correu para o banheiro. Transformou-se numa bulímica. Eu enxergando-a vomitar pela fechadura da porta, sua mão delicada encostada no azulejo em cima do sanitário, eu sentindo sua náusea. Eu a entendo. No quarto dos antigos donos, a saudade fechava as portas e janelas, e mesmo assim, o vento gelava tudo até os ossos. 

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

27.02.2015

Fui bocejar e a minha língua caiu lá dentro da garganta. Percebi também que meu ouvido caía. Eu estava desmontando. O sono era imenso. Importa mesmo se era um efeito colateral, uma psicose, ou uma simbologia? Importava muito? Não mais. Importava quando havia um lugar pra onde ir. Agora não importa mais onde estou porque não há lugar pra onde ir. Agora é só essa preguiça do mundo. Meu corpo poderia cair todo, peça por peça, e eu sequer notaria. Ainda ficaria com aquela sensação mole de que morri e estou escorrendo por algum bueiro ao invés de ser enterrada. 

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

26.02.2015

O corpo é um lacre. Apesar da boca, dos ouvidos, nariz, ânus, vagina, qualquer abertura física. O corpo é um pacote a vácuo, apesar dos líquidos que escorrem, lubrificação, urina, fezes, muco, sangue. O corpo é um saco que infla, um hematoma gigantesco de algo que não conseguiu sair. O corpo é uma história que não vaza. O sexo sempre era uma tentativa de aborto. Por poucos segundos era bem sucedido. Essa bolsa embrionária perversa era penetrada sem a menor das piedades. O feto era salvo de uma criação esquisita, uma terrível sentença de que ele também seria um pequeno conteúdo com tripas apertadas, pulsando e doendo, assim e também sangrando, porque queria existir e mesmo tendo nascido, ninguém podia. Ninguém podia existir. Depois do pequeno aborto, o corpo que era uma invenção diabólica se reconstruía célula por célula. O orgasmo nunca pode durar mais que um momento ou dois. Então, tudo estava lacrado novamente. 

26.02.2015

O diabo veio falar comigo ontem a noite. Chorou e tal. Achei insuportável sua fraqueza. É que o ódio e a irritação estão sempre em pessoas muito tristes e infelizes. O coração repleto de mágoa e ressentimento. Não era isso que eu tinha em mente quando ele veio falar comigo. Sua energia agressiva era mais como um movimento de algum besouro de barriga pra cima. Muito patético. Pensei que não há mesmo salvação para este mundo. Ou o calor do inferno, ou o calor da moralidade. Não há lugar fresco no mundo. A identidade ganhando o peso dos anos. As relações remoendo rastros de relações passadas. Não há tal coisa como "o presente". A vida é o rastro ensebado de uma lesma, pacientemente se formando até que vire um desastre. O pecado do diabo é ter um passado também. 

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

26.02.2015

Há quinze anos sofri um desmaio. Um pequeno segundo iluminado de inconsciência - ser levada ao invés de ir - alguém monstruoso me pegando docilmente pela mão, e puxando, o corpo seguindo macio e delicado até que tudo fosse rompido pela queda, uma folha de papel rasgada, o incômodo da existência. Tinha gosto de luz. Fui obrigada a levantar, tomar alguma água nojenta cheia de açúcar - Deus sabe que isso não tinha força alguma - o despropósito das ações e consequências, tudo desatado, o mundo é um cadarço desamarrado e todos seguem caminhando. Escondi de todos que, na verdade, nunca me levantara. Preguei as mãos no local do incidente e sentia sempre a barriga sendo sugada pelo lado oposto, mas nunca o suficiente para me arrancar de um desmaio. Essa sutil violência era um prazer, como qualquer efeito de entorpecimento, qualquer droga que potencialize a característica humana de ser um ignorante e apenas ir porque é levado. No lado de fora do desmaio, a vida era uma escadaria imensa, e se não havia nada no topo, o fim era a porta de um manicômio. Segui fingindo que subo, no meio dos outros loucos. Enquanto isso, meu desmaio chegava ao fundo do oceano, um lugar gelado, e eu excitada, fazia amor com um homem igualmente perturbado.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

23.02.2015

Arranquem-me de dentro do poema. De dentro do que escrevo. De dentro do que leio. Arranquem-me de dentro do que penso. Porque a liberdade é coisa sem contorno, espaçada, espalhada num campo frio cujo cavalo está solto e distante. Arranquem-me de dentro do corpo porque aqui é uma casa de janelas fechadas, a luz penetrando entre os vãos da janela, denúncias e apontamentos. Arranquem-me de casa, porque não é lar nada que seja dentro, limitado, apertado e sufocante. Arranquem-me dos meus sentimentos porque neles eu cravo unhas que sangram e não posso inventar novas histórias. Tirem-me de minha identidade, condenações, sentenças de morte, diariamente um corredor de cadeia fedorento. Arranquem-me do mundo, de mim, dos outros. Quero abraços inventados. colos fictícios, coisas inalcançáveis, quero uma história de acolhimento mas que acolha para o meu lado avesso. 

23.02.2015

Ela tatuou 'amor' nas costas e mesmo assim. Sentou com os pés num riacho de água gelada e mesmo assim. Costurou uma boneca de pano rasgada e mesmo assim. Penteou os cabelos lentamente e mesmo assim. Não sabia para onde olhar que visse doçura. Nenhum vestido com rosas miúdas e renda poderia tirar daquele rosto o pecado de ter sucumbido. Abria todos os livros da sua estante imaginária e todos estavam com as folhas brancas. Sussurrava, no entanto, fingindo ler. 

domingo, 22 de fevereiro de 2015

23.02.2015

Exausta com os pés nessa receptáculo de vermes, tão lentamente a morder - beijar - minhas células, as pequenas bocas invisíveis causando minúsculos buracos na brancura da pele e apenas uma gotícula de sangue a cada minuto subindo à superfície. Esses vermes não são rápidos o suficiente, e eu preciso permanecer sentada esperando que eles demoradamente e sem força alguma me matem. A morte não pode ser pior que a angústia. Ela se engole e se termina, enquanto a angústia tem um olhar eterno em cima dos nossos corpos, e logo envelhecemos. 

22.02.2015

As minhas pernas eram vidros de uma janela no dia de chuva, cheias de histórias, substanciosas, sujeitas à vontades. Tudo era fresco e tudo era um convite, um abraço dos nossos corpos confundidos. Teu sangue a bombear as veias das minhas pernas, caminho escutado ao longe, como aqueles tiros no meio da noite que uma vez eu escutava, e de repente meu coração era quente. Tuas mãos tortas a escrever minha história diretamente na pele, tudo enchia, e eu nunca sabia de quem era o sangue depois que o desastre acontecia. Peguei tudo emprestado, minhas pálidas artérias não diziam coisa alguma até que um estranho relógio começasse a andar, você me amando. O calor diminui como o meu coração diminui. Você se afasta e se desfaz. Minhas pernas permanecem como vidros, agora quebrados, refletem uma história. Aos pedaços não podem ter nem fim, nem começo, tudo está impedido.

22.02.2015

Uma semente cortada ao meio, inutilizada, presa à sua raiz. O cavalo a comer as folhas como se fosse o pasto. Não era ao alto o destino dessa semente, mas sempre com as pernas entrelaçadas na terra, uma cova disfarçada de terra fértil, vestígios do crime nas vias respiratórias, a terra entrando, enchendo o corpo até o útero arredondar, e explodir. Não era um parto esse o que se enterra num túmulo indigente, não enquanto não soubesse que nome dar ao feto. Assim, a vida. Não era nada até que soubesse que nome, um fantasma, uma semente jogada ao deserto, um animal que a comia com gosto, enganado. A umidade do terror entrando nas unhas, criando cor ao que é inanimado. Não era ao chão o destino da semente, nem ao alto, mas atravessado, buscando nomes, a inutilidade de sua vida catalogada numa linguagem sagrada, uma reza no túmulo vazio, velar uma esperança parece um ato de loucura, o enterro do meu corpo não-nascido.

22.02.2015

Uma árvore frutífera despencando folhas no inverno. Uma árvore no inverno. Uma feição de natureza triste. Mil e quinhentos abortos no meio do inverno, sucessivos, incontroláveis, abortos manipulados pelas mãos de um médico clandestino e sujo, mil e quinhentas chances para um erro chamado vida. A natureza acolhendo sua tristeza, uma árvore apodrecida. Mil e quinhentas choros com seus cansaços e não cessava de ficar prenha como um animal solto no meio da neve a encostar nos outros animais soltos e nunca delicadamente. 

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

18.02.2015

Pequenas mãos infantis e gordas a me tocar nos os braços, diretamente nos ossos. A impressão digital, um inverno na janela dos meus ossos, marca que some e volta, a digital no vidro da janela. Um pêssego pendurado na macieira. Um estranhamento, minha vida. A raiz sugando a lubrificação da terra: são paulo sem água. Eu, esquecida dentro de um prédio, esquecido dentro da cidade. Meu choro, caroços frutíferos que caem do rosto, as lágrimas. As paredes do prédio cheias de histórias inventadas. Fico perto da janela dos meus ossos, esperando.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

17.02.2015

Cerquei-me de todos os sonos possíveis. Meu ossos amolecerem. E eu acho que estou vivendo para sempre. Por favor, me abrace. Colocaram em minha bebida uma droga fabricada à base de sonhos. Parece que vivo para sempre e estou morrendo. Nunca mais meu corpo recuperará a rigidez. Sofri um esmagamento de órgãos e agora meu estômago é um lugar apertado, um acidente é culpado, e não chamei socorro: achei que sonhava. Por favor, me abrace: meus cabelos não param de crescer e estou com medo.

17.02.2015

Um close na tela do terror: a minha boca beijando a tua. O teu pulmão puxando meu cheiro para dentro, fotossíntese da árvore do mal, e esse teu corpo sem história. Que constrangimento, as minhas dores, um nível abaixo da racionalidade, e eu distante da negação física, a sexualidade bizarra procurando pontes, você o meu acesso, sempre um acesso ao lugar de agressão, me tira violentamente da dor, me tira violentamente do vazio, violentamente me tira e sou colocada num pequeno estúdio de cinema macabro. 

17.02.2015

Um dia você abriu a boca e então nunca mais se calou. Agora não importa mais se eu escuto ou se respondo. Não é algo para onde eu pule e alcance, é mais como um pássaro a me bicar até a carne mais mole e líquida e vermelha ao estilo daquele filme que é uma história de amor mas não parece. Agora eu posso fazer mil poemas e engavetá-los porque são como pequenas crianças de aborto cuja finalidade está apenas em fingir que eram esperanças nas suas covas, uma felicidade materna maluca, amando sem saber o que ama mas amando sem fim e sem descanso. Como não acredito em Deus, escrevo poemas. E também porque não acredito no Diabo, eu te escrevo. 

17.02.2015

Eu tenho os cabelos pretos, naturalmente, quero dizer. Acima do cabelo preto natural, eu aplico uma camada de tinta. Também preta. Eu gosto de ser uma farsa, então eu aplico a máscara que é idêntica à minha cara original, e finjo que sou uma mentira. Eu gosto de entrar na água e ver escorrer a tinta preta cheirando à amoníaco. Não quero ser a única manchada. Quero que escorra. Eu gosto de escrever mentindo para poder dizer a verdade, porque é o único modo suportável. Uso a tinta no cabelo, mas aproveito pra manchar um pouco a cara, me dá um ar de mulher perdida, o que é bastante excitante e adicionado o nível certo de álcool, consigo até sentir tesão. Eu finjo que não acredito em nada porque acredito que os descrentes fodem melhor. Vou tirando minhas máscaras, então, na cama, os pelos pubianos expostos à julgamento, uma máscara original que uso para me cobrir da minha nudez identitária.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

17.02.2015

Batata quente das falas que me tiram do manicômio. Anda! fala! São portas batendo aqui no hospício a todo momento, o vento correndo sem medicações, porque aqui tudo pode ser louco. Nós fingimos ser livres porque nunca corremos na mesma direção desse vento, preferimos ir contra as portas que batem na nossa cara, e então gritamos: anda, ligeiro, diga a palavra que me salva! É a tua vez. 

17.02.2015

Um grito dentro de um grito, então mais outro, chupando-se, um a um e em sequência, uma ciranda maldita, e eu nunca alcançava a minha voz primeira. Aquela que tocava a goela, o sangue bem dentro. No máximo, era me dado uma imagem esfumaçada dos gritos, meio branca, meio cinza, tudo tão leve, e eu a andar à cavalo aos berros, a selvageria sem me entender, mas sem perguntar e era por isso que eu a amava. E quando eu queria pular do cavalo ele nunca parava, eu tinha que me jogar e eu sabia que não tinha chão nenhum embaixo, era apenas essa fumaça, não havia nada. Quem é que se jogaria? Mas eu escuto um grito, vindo lá debaixo. Talvez a minha goela.

17.02.2015

Essa infelicidade enlatada em forma de poema me enoja. Essa hipocrisia não da gente comum, mas das pessoas que escrevem - as inteligentes - como se a morte ficasse mais bonita porque você organiza um monte de palavras que fazem sentir algo. Não fica. Todo mundo sabe que não fica. Como se o poema fizesse a gente sentir menos a merda. Não faz. Não é como "jogar fora" porque tal coisa não existe. Pelo contrário! É um olhar, cutucar, mexer, masturbar, o que tá dentro de mais podre na gente e que a gente acha que é a nossa identidade, e isso nos torna monstros mesmo, gente feia, gente que não tem luz, porque a gente escreve ao invés de viver. Somos pessoas anti-vida. Não é a morte que queremos. Não é porque ela - a morte - não é em nada essa coisa sublime das poetagens. Ela é vulgar e seca e não tem poema que a toque. Poemas são gritos que fracassaram e caíram num papel. Poemas não são a morte. E nem a vida. São um falso esconderijo da dor, mas que estupidamente se esconde dentro da dor. 

sábado, 14 de fevereiro de 2015

15.02.2015

São 3h37 da manhã e eu estou presa dentro de um corpo que não dorme. Meu envolvimento com esse corpo resume-se a esse fato: ele não dorme. Pergunto o que o outro está pensando não com a intenção de conhecê-lo, mas simplesmente por vontade de habitar minha cabeça com pensamentos que não sejam os meus. Fracasso. Assim que me conta eu me aproprio violentamente daquilo e se não sei o que fazer me irrito, mas se sei o que fazer às vezes é ainda pior. São 4h da manhã e eu sou obrigada a escrever porque preciso me desenrolar para fora antes que me enforque toda por dentro lá nas tripas. 

14.02.2015

Aos poucos a minha memória se desfaz da tua imagem porque muito dela era uma sensação dentro de mim. Aos poucos a minha solidão se torna uma solidão de referência. Uma rua deserta não de pessoas, mas de lugares. Como é rua, então? Construo-me para o nada. Sempre é mais difícil. Enquanto perco a excitação da saudade tua também perco a ideia de estar nesse mundo. Ele se torna um mundo branco. Branco como um segundo antes do desmaio onde tudo é luz e o barulho só está lá para te dizer que você está muito longe. Não foi pra isso que te inventei. Certamente não para me lembrar que estou muito longe de qualquer coisa que importe. 

14.02.2015

Era um diabólico transtorno obsessivo compulsivo aquele de limpar e ordenar o que se sente. E o corpo como uma máquina ininterrupta a produzir mais e mais e de repente eu precisava me sentar pra continuar a fazer esse serviço. Eu nunca soube o que é a morte. A desejei por hipocrisia. Nunca pude jogar nada fora. Eu era como uma acumuladora doente e relaxada de mim mesma. 

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

13.02.2015

Os meus olhos não estavam atentos, se ao menos eu tivesse a força da cocaína, e não precisasse do tempo que eu não tenho para, num trabalho desumano, transformar, um a um, meus sentimentos em coisas do mundo. Talvez você tivesse percebido no fundo do meu olho, do outro lado, que tudo estava lá, e que a culpa de tudo ficar retido era de Deus porque ele inventou a matéria, mas ninguém o chamava de pervertido, e era tão mais fácil salvá-Lo como eu sempre te salvava. Talvez no momento que teus dedos tocavam o meu rosto, lavando a minha maquiagem no chuveiro, você estivesse realmente me limpando de lágrimas, que eram na verdade puro lápis de olho e não tinham poder de chamar ninguém pra me ajudar e eu sempre ficava magoada com isso. E será que eu deveria te agradecer pelo gesto enquanto visto a hipocrisia e a tua camiseta porque foi a única coisa que sobraram das tuas mãos em mim enquanto escrevo poemas que me fazem acreditar que estou me afastando de ti? Continuarei a falar. Até que eu tire essa camisa, a maquiagem, os seios, meu coração, a pele, os olhos e tudo mais que você tiver tocado.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

12.02.2015

Eu tô com dor de cabeça, ou talvez seja fome. Quem sabe seja frio, e um pouco de cansaço. Ou talvez seja a apunhalada no meu peito. Já não sei mais o que é exatamente que incomoda. Já não vale mais o que me incomoda. Já não se diferencia mais da vida o que me incomoda. Essa coisa no mundo - uma metralhadora de significados - tão vulgar essa quantidade de coisas. Vou devolver tudo.

12.02.2015

O pulmão de Dália é lento como a fumaça do cigarro que ela fuma, e não tem defesa, uma janela sempre destrancada na noite. A fumaça, um cheiro a atravessar o corpo, carregando uma notícia triste sobre algo fora dela.
...
Um cigarro que ela fuma com a boca. Notícia corrupta, sorrateiramente entrando, caminhos clandestinos do corpo. Este cigarro ela fuma com a boca, a tristeza com a garganta, o teu corpo ela fuma com o pulmão apodrecido. Você não é uma notícia para o café da manhã.
...
A cinza do cigarro está entre as pernas de Dália. O pulmão aspira uma notícia que encharca sua pele com melancolia. Teu corpo engana como um suor que não é dela emprestados aos seus poros enquanto ela fuma seu desespero numa tragada só para que nunca se lembre.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

08.02.2015

O desmaio alcoólico, a fluidez para o lugar nenhum. Um escorrer de olhos para baixo, as pálpebras apenas. O tempo é uma macumba mal feita. O meu corpo era o tempo distorcido. Teus dedos sinais enfermos que eu engoli. Um coágulo intra-uterino deslocado. Não era sexo. Não era corpo. Não era aquilo que não é matéria. Não era aquilo que não sabemos. Um tapete manchado na tua sala. Uma história feita da fumaça do cigarro que eu não fumo. Teu corpo buscando esconder teus segredos. Eu, um depósito. Era um amor de mulher vadia, daquele tipo que te abraça.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

05.02.2015

Meu pé preso na cela do cavalo. Meu pé quebrado na cela do cavalo. Meu pé inchado, impedido, encaixado na cela. O animal dorme e sonha. Eu o observo ameaçada. Meu coração espera que ele acorde e corra. Minha mente está embaixo d'água. Sob o falso silêncio da água. O horror silente aperta meus os ouvidos. Ideias morrem uma a uma, engolindo o sal. Meu peito intoxicado, um componente estranho o engrandece. O silêncio o engrandece. Meu pé quebrado embaixo da água, encaixado no silêncio do fundo do mar. Minha mente um cavalo assustado que dorme e sonha. 

05.02.2015

Meu sono está desregulado. Hoje eu dormi igual uma chapada (mas não em excesso). As noites anteriores foram: pesadelo, tendo acordado às 4 horas da manhã e voltado a dormir; acordar três ou quatro vezes durante a noite; e insônia inicial. Nesta última estava com muita angústia e desejando manso a morte. Não o ato do suicídio, apenas um desligamento quieto e sem violência. Eu estou machucada com a vida. Com os desencontros que são muitos. Sinto-me fraca, como se um mínimo de experiências me derrubasse. Estou animada por trabalhar em casa. É um ritmo mais leve e menos pressionado. Trabalho sozinha, por isso trabalho em paz. Tenho tendências ao isolamento, então isso pode me prejudicar, mas aqui, na atividade feita sozinha, é tranquilo. Estou um pouco ansiosa com isso, passo a maior parte do dia (quase todo) aqui no escritório, e não entendo direito porque estou evitando a minha casa. Estou quase sempre embolada emocionalmente, melancólica e com uma ansiedade assim no corpo, e é provável que os outros estejam vendo alguma dureza em mim, alguma coisa rígida e meio amarga. Estou com vontade de organizar algumas coisas de psicologia para voltar aos estudos, mas isso está lento e passivo ainda. Sempre fico assustada com as coisas, mesmo as menores. Parece que sinto-me cansada com pouco. Tento contatar novas pessoas mas o meu ânimo não deixa nada fluir de mim com vigor. E as relações que eu tenho estão todas com alguns espinhos estranhos, e como são todas, acho que sou eu é que está com algum espinho-de-contato. De tudo o que mais temo é a insônia, acho devastadora. Sempre lidei com momentos de enorme falta de fé. E alguns vários de isolamento. Dentro de tudo isso, sempre houve muito amor. As coisas não morreram.  

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

03.02.2015

Milonga a cantar o desespero infiltrado nas veias do cavalo, descendo o sangue em suas patas, a potência de seus olhos negros, o ar frio espalhado, um véu que se derruba infinitamente sob o campo, o azul pálido do inverno. Os cascos e os contrastes, meu pé torcido na cela, o pelo umedecido invadindo em cheiro o interior da minha garganta. Tudo é excesso se o cavalo corre. Natureza de besta. Não estou ali. A ferida não é minha, uma pata a perfurar minha barriga, a ferida não é minha, do lado de fora todo o sangue é meu. A selvageria não tem cordas vocais, ela me olha apenas, e apenas isso basta para apontar minha morte. 

03.02.2015

Conheci algumas pessoas que eram marcadas por uma identificação de escravos. Pessoas cuja dor tinha o papel de amansar, cansar, abater. Acho que eram pessoas que fariam muita coisa se não apanhassem, então viviam apanhando e ficavam sem incomodar ninguém. Pessoas acostumadas a caminhas em estradas de morte sempre. Criavam, como a dança escrava, um simbologia toda secreta, que usavam pra alargar um pouco os espaços dentro da própria alma. Estava sempre apertado por lá. Sabiam uns dos outros, davam as mãos as vezes, mas sabiam que só podiam mesmo ir até a ponta dos dedos. Tinham dono. Gente com dono não toca em nada. É tocada quando - elas não sabem quando são tocadas, não quando, não como, não por quê. Para cada relação que se estabelece fora, há uma correspondente dentro. Essa gente dançava, cantava, desenhava, pintava, transava, fotografava, esculpia, amava, pensava, - faziam de tudo - como se fosse uma enorme brincadeira. Não é que sentissem assim, era muito trágico, mas era o único modo permitido. Dentro das brincadeiras, se olhavam e se reconheciam profundamente, mas nunca podiam viver. Sequer lutavam por isso. Estavam vencidos.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

01.02.2015

Este espinho que guardo na boca, você não o entende, mas finge.
Eu, uma mulher amarrada pelas pernas, também finjo.
O espaço sempre manso com seus odiáveis pássaros que caem e caem
sempre caem como um som que abre um céu, um caminho, e também
aquele barulho que não se sabe o que é e é tudo o que está no mundo,
aquela coisa que os débeis chamam de vida e que eu chamo de
tempo maldito que nunca cala a boca. Este espinho cuja estupidez de uma revista
chama de tpm, a estupidez do psiquiatra chama de depressão, a estupidez do poeta
de melancolia e toda estupidez sempre chama. Eu com essa chaga maldita
a buscar no alcoolismo um reverso medicamentoso, não me enganam aquelas
caixinhas com suas faixas medonhas dizendo que podem te matar ou te salvar
ou qualquer coisa que te atingisse, e você ainda finge que funcionam, porque dorme,
e isso deveria bastar. Por que diabos o mundo tem mil anos e ainda a verdade
não é coisa que escorra dessa boca espinhenta feito sangue novo e fresco?
O cheiro, sempre o cheiro, de morte, de agressão, de penetração repentina,
qual é o corpo que está preparado para essa desordem do mundo?
A faca cotidiana não pode fazer buracos nos meus pulsos. Alguém poderia
dizer qual é a utilidade deles senão essa ponte pulsando sangue, um toque,
uma junção, uma coisa sem forma-face-sentido, um caminho disfarçado até
sabe-se deus onde, porque não sei por que é que tenho mãos. Não gosto da poesia.
Assim como não gosto de flores plásticas com seus espinhos metafísicos patéticos.