quinta-feira, 30 de abril de 2015

30.04.2015

Estou em anestesia, estou em ameaça de arritmia, estou em stop motion. Na mesa cirúrgica o metal é minha vida opaca e o médico é uma luva sem mãos. Estou em anestesia e logo um bisturi me corta e não há sangue, toda eu estou cinza-morta pós derrame, e eu estou no bloco cirúrgico chamado meu velório. Estou paralisada do pescoço para baixo, onde fica meus órgãos reprodutores todos vasectomisados e esterelizados, a luva clínica tentando me levar ao gozo e eu num orgasmo póstumo, já não o sinto, apenas escorrem os líquidos enquanto alguém corre com as gazes. Não confie em médicos, eles são fissurados em incisões x e y e agora que estou anestesiada nessa mesa de metal é tarde demais e já não sei se é necrotério ou se é hospital. Mas eu sempre acordo, alguém vem me avisar das sequelas.

30.04.2015

Atlas não suporta o peso do mundo e ele desce. A gravidade é mais feroz que um leopardo faminto, ela não tem fome. Não chora o estômago vazio, não se desespera. Atlas é um velho que cospe no chão enquanto empurra o mundo, e sua dignidade desce. 

30.04.2015

Cárcere de fumaça erótica me prende. Teu cigarro na minha boca, tua evidência criminal nos meus lábios, uma tragada, uma chupada, um beijo. Tuas mãos tocando os segredos dos meus órgãos, eu tão nua na tua frente, você me desconstruindo, e fabricando um sentido para as minhas faltas. Então o sono dos doentes. Você mergulhado na maquinaria que era dormir, uma cápsula que retinha tuas inquietudes, eu impossibilitada de desligar-me de tua pele, não podia apagar enquanto tuas mãos não voltassem aos meus seios. Produziu o sono em mim também. E enquanto eu dormia, você destruía a minha vida. Acordei e você era um suicida. Eu acordei, infelizmente.

30.04.2015

Disse três vezes teu nome na frente do espelho a meia noite. Você apareceu, cortou meu pescoço, e sumiu. Não era esse o sentido do ritual. Tranquei-me no banheiro. Parei o relógio. Recusei-me a sangrar. Chamei teu nome mais mil vezes. Tudo que via era uma mulher agressiva presa no espelho. Uma mulher cuja boca fora inutilizada e agora falava pelo corte na garganta que tu fizera. E quem estava na frente deste espelho? Alguém cuja cabeça pendia, cujos pensamentos se perdiam na queda, cuja identidade escorria pela ferida. Não, não vamos conversar, a fala era importante antes do corte. Agora vamos gritar como animais que somos, eu como bicho estúpido excitado por você que era um bicho estúpido excitado por mentiras, e tudo o que era animal se abraçava, e tudo que era humano morria.

30.04.2015

No fundo ela sabia que o maior prazer que iria arrancar da vida era a sensação de limpeza da própria casa depois de um dia de faxina. No fundo ela sabia que não sairia dessa casa tão cedo ou com tanta vontade porque o mundo nem era um lugar legal. No fundo ela não se importava com a morte, e também se deus existisse, muito pior pra ele, porque ela tinha mil reclamações a fazer. No fundo ela escrevia apenas, e apenas mesmo, por catarse, e isso a aliviava mas, ao contrário do que parecia, não a salvava. No fundo ela sabia que as palavras não serviam. E que se todo mundo escrevia era apenas pra dizer que as palavras não serviam, que queriam mais do mundo e o mundo negou tudo. No fundo algo de mim se desprendeu antes da morte, por engano, por descuido, por desafeto. Eu era uma sombra, eu era uma mentira, eu era um corpo vazio, uma palavra sem significado, uma onomatopeia fracassada em sua função de pedir socorro, um grito que tinha medo do próprio barulho. Não procurava sentido, procurava alivio. Até isso foi negado. Pedi tão pouco, e o pouco foi negado. Minhas realidades psíquicas baixaram as cortinas, eu fiquei sentada esperando o restante da peça, não, não, a mentira já acabou.

30.04.2015

Na vista do teu apartamento eu via quinhentas e setenta janelas e nenhuma dava para alguma esperança. Na vista do teu apartamento quinhentas e setenta guilhotinas. Minhas cabeças - eu tinha quinhentas e setenta, uma para cada dia que sustentei tua mentira - esperavam paciente, não, esperavam impaciente, a hora em que a réstia de luz sumiria. Teu remédio não me fez dormir. Tua penetração não me fez gozar. Teu abraço não me arrancou dos pesadelos, mas foi bem sucedido em me empurrar da janela. Agora as guilhotinas me abraçam, agora minha fala é o descer da lâmina, e absurdamente, parei de sangrar, e absurdamente não sei se minha cabeça ainda está onde deveria.

terça-feira, 28 de abril de 2015

28.04.2015

Distância de. Um peito para um canibal. Um ritual de amor. Meu nojo em ondas. Atraso erótico, atraso de gozo. atraso de ter nascido. Cárcere em. Ânsia de movimento de boca sem a palavra. Um coração deprimido que me irrita. Narciso sem mãe. Narciso lambendo água como cachorro. A falta de. O coçar da ferida. O afundar da ferida. A nascente. Cristo pregado no hospício. Cólera de rato carente. A afundar da distância. O rosto em falta. A expressão em cárcere. O velar da ferida. Eu abri do caixão e não havia mais nada dentro. 

28.04.2015

Manicômio de fumaça. Abraço de camisa de força. Remédio de queda em abismo. Embotamento de dias, não cessam, não são internados nunca, nem no alto da doença, nem na maior distância da sanidade, ou do amor. Meus órgãos gelados. Erotismo bíblico, trágico. Suicídio antepassado, reflexo de garota morta no espelho. Meus dedos cruzados na tua boca. Você mastigando minha luz. A cada mordida um pedaço de sombra. Ritual satânico na mesa do café. Oferecemos o leite. Todo o leite. Derramamos. Ele não devolve, nem o diabo nos quer, somos tão mentirosos. Somos o corpo deste manicômio abandonado. Dentro de mim é assim: um manicômio abandonado.

28.04.2015

Era um lugar bonito este. Exceto pelo fato de que, a maré era da areia, e comia o oceano, chupava a umidade, e ele desaparecia. De repente estou em Marte desabitada. De repente estou no marrom rochoso do fracasso. Tudo que era azul sumiu. Incluindo feridas e abraços. Satã responsável senta e chora. Eu olho inexpressiva. Tudo estava normal, exceto que, destruído.

28.04.2015

Palavras agarravam minha garganta. Eu descartava todas, uma a uma. Nenhuma dizia. Toda palavra é hipócrita, um apontamento fracassado. Eu era sufocada por tuas mãos cobertas por palavras. O meu esôfago era um túnel para abismo, que, ao invés de lançar palavras para o mundo, as engolia, as sugava, as asfixiava dentro da própria escuridão. Estou muda. Minha frágil teia de crenças foi também engolida esôfago abaixo. A essa altura, meu próprio suco gástrico já consumiu mais da metade delas. Estou no fim desse abismo, onde tudo que me toca é ácido. Estou no fim, na última fibra de carne ainda não consumida pela violência que é viver. Não sou consumida, ainda assim. Estou inchando a garganta com mais palavras, estou procurando espaço no peito para mais dores, estou descartando as palavras, as crenças, os fracassos, estou me descartando ainda.

28.04.2015

Onde eu fui parar só porque te seguia? Esse lugar sem paredes, esse lugar sem evidência de vida humana, esse lugar intocado por luz. Essa criação psicótica de realidade. Essa falta de realidade referência, esse estar só na realidade, essa realidade que não toca em nenhuma outra realidade, todos se olhando tão distantes, tão perdidos. Não consigo mais escrever. Não consigo mais pensar que existe um futuro. Tudo se tornou absurdamente questionável, ninguém me abraça, nenhuma ideia me abraça, e eu sou varrida do mundo. Sou também eu um corpo questionável. Guardando angústia, comendo dúvidas, devolvendo palavras que tentam, apenas tentam me ejetar de mim, que apenas tentam me projetar em uma outra realidade. Quando eu não pude acreditar que o mundo era um bom lugar, quando eu não entendi o motivo de estarmos vivos, quando eu pensava em inúmeras maneiras de descansar até o fim, tu ergueu falsos mundos ao meu redor, falsas paredes, falsas camas, falsos beijos, abraços que me jogaram para dentro de um buraco, fez luz em minhas falsas referências, e eu realmente pensei que esta realidade era possível, que a minha própria era suportável. Não mais. Não quero acreditar que você é uma falta. Nem que perdi o fio que me tornava uma só. Agora sou pedaços que não se encaram, agora sou fragmentada e fraca. Agora eu sou ridícula, desconexa, embotada. Agora eu não acredito no que é suportável. Nem mais na morte. Tornou tudo questionável. Tornou tudo distante.

domingo, 26 de abril de 2015

27.04.2015

Eu engoli a palavra. Não podia mais te dizer, e sequer dizer. Eu engoli a palavra. A violência dos meus pulsos cortando-se com as palavras que tentam escapar de mim, sem chance na garganta, no papel, no coração. Transformei-me no meu próprio epitáfio. O meu rosto é um registro póstumo. Não há ninguém na casa. As janelas foram esquecidas abertas. Não há nada além de um vento frio e uma desesperança. Não há 'embora' para eu ir. Não há 'aqui' para eu ficar. Eu engoli a palavra que me dizia. 

sábado, 25 de abril de 2015

25.04.2015

Já te afoguei tantas vezes. Choro de cansaço. As águas revoltas sem botão que desligue. Deus imbecil, deus irritante, a natureza vai me levar à insanidade. Tuas lágrimas diluídas no lago, teu choro de morte, teu choro de afogado que não desencarna, teu choro pelo nosso contato de amor-imprestável. Cada vez que você morre, eu desço os lábios até tua boca e me afogo contigo. Mas nem assim você morre, então, nem assim eu morro.

25.04.2015

Sonhei que você costurava a minha boca na tua nuca. Sonhei que você me calava com a tua pele. Sonhei que você retirava de mim as palavras, e me esvaziava dos dizeres. Eu desaparecia. Você guardava meu corpo num túmulo, era o teu abraço, eu dormia, eu finalmente dormia. 

quinta-feira, 23 de abril de 2015

24.04.2015

Um anel de saturno afiado, um fatiador de carne ligado, órbitas estranhas para um coração, e o meu sempre chorava. Perco as lágrimas. perco a chance de me suportar, perco a hora do meu suicídio, uma perda pendurada no redemoinho do meu corpo, o meu choro também caminhava para você in-memorian, e eu fica só, tão só. Devolva minha correntinha.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

22.04.2015

Costurem a palma de minha mão à palma de minha outra mão. Preciso aprender a rezar. Ou a morrer. Estou num mundo que não foi construído por ninguém. Mas explodido. Assim que nascemos. Explodidos. Não amados. Mas explodidos. O pó caminhou um tanto de espaço que não será preenchido nem com todo amor materno do planeta, e enfim, acabamos aqui. Nesse ponto. Nessa estrada onde encruzilhadas não se dividem em lados, mas, retornam ao nosso centro com uma sede animalesca por sangue, percebemos então, que não há motivos para escolher um caminho. Todos retornam ao nosso coração, todos enfiam canudos oxidados em nosso peito, todos esvaziam nosso corpo. Há um deus dos explodidos? Há um deus escondido lá dentro do buraco negro? O universo realmente precisava ter esse tamanho brutal? Fomos rodopiados envoltos pelo planeta, isso não significa, nem na mais remota das hipóteses, que temos um caminho. Talvez nosso deus seja mesmo um bulímico, e a explosão tenha sido um dos seus vômitos. Talvez agora ele esteja se tratando. Vá se curar, não sei. Temos tantos pedaços, tantos pedaços perdidos gravitando, estamos olhando nossas partes indo embora. Estamos perdendo o calor. Fomos ejetados como um excesso, por isso tão em desordem os nossos corações, sofrendo pra que tudo se acomode. Não vai. Somos um excesso, olhando nossas partes indo embora.

22.04.2015

No handling, no holding, no turning back point. Sem um sapato que sirva. A chuva esfriando a pele do rosto, a carne tirada para a fora da geladeira, começa a se sentir, para ser assada em seguida. Minhas olheiras fabricadas pelo teu desafeto. O cinza abrindo o inverno, o cinza abrindo o meu coração e dentro, dentro do músculo coronário, outro cinza, e mais outro, e você esfregando os dedos, uma cinza de um cigarro que você sequer fuma, dispensável em vista tua frágil saúde, tua garganta entalada de infecções, todos os perdões que você não me pediu apodrecendo teu lado interno da fala, você há de se matar e não será por amor, nem por desamor, mas por egoísmo. Eu não derramarei uma lágrima no teu túmulo, mas dançarei com minha saia de tule ainda manchada no teu sêmen, empilharei no teu epitáfio mil e duzentos poemas sobre o quanto você me machucou. Deixarei que tudo morra. Eu era mais piedosa que deus. Eu era mais viva que deus. Eu doía mais que deus.

terça-feira, 21 de abril de 2015

21.04.2015

Três horas de insônia, uma de sono, e vinte segundos de sussurros ao meu ouvido. Sou acordada pelo fantasma que insiste que essa casa é dele. Ele olha meu rosto dormindo, inquieta-se até o choro, sopra no meu ouvido lamentos demorados, derramando a voz dentro do meu tímpano. Ele não tinha necessidade de colar aquela boca na minha pele. entre eu e ele, não há caminhos paralelos, não há o espaço fora, há apenas um e outro cujas fronteiras se esmagam. Sinto um gosto amargo na boca. Descobro que ele enfiou os dedos na minha boca, e na menor abertura, enfiou minha vida o quanto pode, até que minha boca se fechasse novamente e levasse para um túmulo corpóreo todas as tragédias. Ainda há pedaços não mastigados. Ainda há pedaços não engolidos. Ainda há mais do amargo. Olho fixamente para este fantasma. Não pretendo falar, uma boca entupida de desgraças perde a força, a lei da inércia faz com que a língua ganhe um peso contra o qual não se pode lutar. Onde não há espaço, porém, não há palavras. Não havendo palavras, estou dispensada da fala. Havendo esmagamento, estou amarrada a esse fantasma. O meu corpo diz que sou mágoa. O meu corpo diz que sou um desejo degolado. O meu corpo diz que não posso olhar se não para esta nascente de sangue que ele abriu no meio da minha barriga. Ele me olha, tão alheio à minha condição de mulher sequestrada, delega a deus todos os pedidos de perdão, e eu espero sentada na cama o dia em que deus fará isso por ele. Eu direi que não perdoo. Nem ele. Nem deus. Nem ao mundo. Não importa. Esse pedido está guardado para a hora que o sangue não verter, exatamente quando se tornar inútil. O fantasma abre sua boca, usa a mão para segurar meu queixo, abre novamente a minha boca com os dedos, cola os próprios lábios nela, e então chora novamente dizendo que tem sede. 

domingo, 19 de abril de 2015

20.04.2015

Ondina veio a deitar-se na cama comigo, queria transar pela boca, onde ela entupia de água aquele cuja vida se esqueceu de respirar. Ondina era uma ninfa rancorosa cuja orelha não poderia ser partida. Então na doçura das coisas etéreas ela preferia se enfiar na boca dos condenados e aguardar tão passivamente que a insônia ocupasse o lugar do sono. O sonho então entrava pelo ouvido, o mesmo ouvido que Obá partira à base da mesma selvageria com que fora partido o seu coração. Nesse caso, erguiam-se parques macabros, casas abandonadas, cozinhas hipnóticas, desertos azuis e a única coisa que nunca se apresentava era o responsável pela mordida na orelha que encheu de tesão a mulher antes que ela pudesse perceber que sua pele sangrava mais do que a sutura podia suportar. 

20.04.2015

Mantém-me por perto, apesar do leque de remorsos que vai desde eu ter nascido, até ter te beijado, passando pela leitura do Dorian Gray quando era novinha porque isso era tão cult e eu achava que era o que encheria o mundo até a borda. Ao invés disso eu sou refém daquele quadro medonho desde meus quinze anos quando uma psicóloga dizia: 'liberte-se, vire uma vadia, iremos todos morrer', e eu rezava com ela o hinário dos desesperançados esperando que ou a leitura ou a putaria me salvasse. Alguém devia ter colocado no teu contrato aquela cláusula que falava sobre a tua alma que já não valia muita coisa, sendo tão rala, tão indisponível para a verdade, como uma roupa gasta de mendigo, a sustância de teu espírito era leve como uma pena, enfim, aquela cláusula onde tu se desfaz dessa coisa miserável que tu chamou de alma a vida inteira. Enchi meu corpo com areia desde que perdi a minha, virei um encosto para portas que batem facilmente com o vento. Ah, você não sabia que eu também tinha perdido minha alma? Não como o Dorian, isso seria tão previsível. No lugar onde estou não há quadros, não há paredes, os pintores choram, os artistas choram, não há um grande legislador que nos ame, nos enfie afeto, nos des-mentirize. O lugar onde estou queima tão lentamente e eu estou tão sem alma que não posso mais distinguir as cinzas daquilo que chamei a vida toda de lar. A fuligem me abraça. A fuligem me aquece. A fuligem me coloca cor na pele. O fogo me ama.

20.04.2015

Converso com a psicose de minha caneta, finco-a no peito como uma traqueostomia diabólica feita diretamente na veia do meu coração que não respira e nunca foi feito para. Eu era um quebra-cabeças de uma mulher demente e todas as peças encaixavam-se à força no lugar errado. Eu sangrava em degraus, os estiletes dispostos em linha reta, na espinha dorsal dos meus erros. Não posso mais subir. Agarro-me em ossos de vidro, agarro-me nos ossos de um pequeno corvo, agarro-me na liquidez de um coração esquecido no banho-maria. Você me queimou tão lentamente. Você me esqueceu no forno. Você puxou pela minha boca uma raiz de planta silvestre e não percebia que o que puxava era na verdade meu intestino. Você me tirou do vácuo. Agora queimo tão lentamente.

19.04.2015

Ganesha dos desesperados. Santa Lúcia dos revoltos. Via láctea dos rancorosos. A minha vida era a luz da estrela morta. Uma projeção na sala do cinema, com as partículas de ácaros se enfiando na imagem, ou a imagem se enfiando no ar; Eu, uma tola, pulando, na psicose da penetração da história, que na verdade nunca entrava no corpo, apenas era uma ilusão de um diretor de fotografia. O vermelho da sala de revelação, o meu clitóris apaixonado, os negativos deste caminho que me levou à desgraça pura, à loucura, ao desamor. Santo Bergman dos perdidos, o equinócio da minha acrobacia na tua mentira, eu andando tão delicadamente quanto te beijava, para que teus lábios de kodak não fossem percebidos. Meu choro, meu choro, meu choro, enrolado em grandes filmes, quero contar, espero encher a sala, apagar a luz, então me diga que eu tenho uma história, me diga que já posso morrer.

19.04.2015

Gozo na lata de lixo da tua cozinha, misturado meu coração às cascas de fruta que você comeu no café da manhã de ontem. Gozo nas tuas costas que me gritam uma história de terror confeccionada com o ódio das minhas unhas, você nunca falava nada, então eu gritava com as mãos. Gozo por teus dedos revelando a minha natureza de mulher ácida, na sacada do teu apartamento, esperando que alguém me enxergasse gozar numa janela voyerista, apenas porque você era incapaz de enxergar meu gozo. Gozo no elavador, nas escadas, na cama que não era minha, porque o rastro sexual era um amor fingido, na verdade, sempre te odiei. 

sábado, 18 de abril de 2015

18.04.2015

Carnificina dos meus desejos destruídos pelo teu teor de fumaça de cigarro. O vermelho dos meus desejos mordidos no centro, amarelando das bordas para fora da minha genitália, o meu desejo sendo oxidado pelo teu teor fantasmagórico. Estrangulamento do meu desejo, de ter você entre as minhas pernas, feito pelo teu teor de eterna despedida, coisa sagrada de benzedeira da fé empalada. A faca cravada no meu desejo de ser tua, oxida a lâmina, oxida o desejo, você como construção que me enche, penetra, teu sentido de vida me desfibrilando o peito, eu ardendo porque te amo, ardida porque te detesto, você enfiado em mim e nunca sei se é cravado como alguém que me penetra, ou fincado como alguém que me assassina.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

18.04.2015

Um espelho quebrou dentro de mim. Os cacos me deixam numa condição inconsciente enquanto o líquido sanguíneo deixava um rastro de calor pelos centenas de caminhos em que escorria. Minha cabeça se enchia de sangue, o nível subia tão vagarosamente que eu não percebia que a minha morte já estava agarrada às minhas pernas como uma criança que chora pelo colo materno. Um afogamento que vinha de dentro da garganta e buscava uma porta de saída, a minha boca, e eu ia morrer porque não conseguia conter dentro de mim o que era eu. Pequenos cacos prateados em cima do vermelho, pequenos ruídos dos passos dos meus fantasmas andando sobre meu espelho quebrado. Meu stímpanos soprando histórias de terror ao pé do meu próprio ouvido. Meu coração era isolado, a bagunça era um adorno em forma de maquinaria da desgraça, e eu chorava sozinha no fim da escada. 

18.04.2015

Pisei no sangue do cavalo abatido somente dentro da minha poesia. Enquanto isso, na realidade, estou indo na Receita Federal regularizar uma obra de pessoa física. Deitei meu abismo embaixo do abismo do homem que eu amava, somente na poesia da minha mente psicótica, na realidade, ele apenas se enfiava em mim repetidas vezes até que se satisfez. Andei num carrossel de medos giratórios somente com a embriaguez do meu senso poético, na realidade, eu virava meu corpo na cama incontáveis vezes até que eu desistisse de tentar dormir. Meu pulso era um deserto com areias verdes desenhando minhas veias apenas na rudeza do papel. Na realidade, eu me sentia muito sozinha e minha rotina me comia as esperanças. No meu armário poético, escorpião já picou meu seio, meu corpo já se espalhou pela cidade, meu grito estava no andar de baixo, entre outras coisas fantásticas. Na realidade, .... Na realidade, não.

17.04.2015

Estou morrendo conforme teu corpo me cobre. As tuas mãos nos meus seios abrem janelas que suspendem minha asfixia, janelas que me olham para dentro, onde ninguém nunca olhou. Eu era uma mulher dissociada de mim quando tu me buscava pelos cabelos. Eu sempre sentia que tuas mãos tinham o poder de me recolher do abismo, no qual eu finquei os pés, e você, tão especialmente, podia me tirar dos contornos da matéria. Esses mesmos pés ficavam soltos no ar, enquanto eu escorria toda minha vida inteira pelas pernas, e você entrava através dessa trilha umedecida, e me mostrava que o abismo também é um chão onde se faz amor. 

17.04.2015

Unhas não serviam para nada que não fosse a passionalidade pura. Um arranhão erótico, um dna criminoso, uma evidência da tentativa de luta: o mais triste era saber que ela lutou pela sua própria vida. Havia também o comprometimento com a ansiedade, roer até o sangue aparecer, até que a ansiedade fosse localizada num pequeno buraco do dedo, e você, como num olho mágico, a enxergasse te olhando na cara lá do fundo. Unhas serviam para o amor ou para a morte. 

quinta-feira, 16 de abril de 2015

16.04.2015

Teus cabelos revoltos, uma fotografia do passado colada ao meu travesseiro. Um bem-vindo da boca da noite, teu colar de abraços, contas caídas no chão do meu apartamento, tu nunca usou pérolas, não gostava do contato frio sob a tua pele. A nudez de nossos enganos psicológicos, quebrados todos na frente do espelho, o elevador não subia rápido o bastante para os nossos atrapalhos eróticos, um grande pedaço de desejo no qual nos lançávamos, buscando atravessá-lo, buscando saber se havia um caminho por detrás dos beijos, ou se não, dormiríamos para sempre, engolidos um pelo outro. Onde estou que não na tua boca?

16.04.2015

Nada cala a boca enquanto viva. O esforço meditativo para o não ser ergue seus longos braços e pensa que, por isso, alcança a lua. Pula em falso. A escada num caracol de mim mesma, eu tentando me abraçar, girar até quebrar alguma costela, e então ficar macia, me envolver, e não, não, ossos não se partem com abraços, apenas com golpes mais violentos, então, tudo dentro de mim era triturado, e entre o pó do esqueleto e a argila dos órgãos eu buscava me modelar novamente, sem uma forma sequer ao alcance. 

quarta-feira, 15 de abril de 2015

15.04.2015

Vamos de novo para o chuveiro. Vamos de novo nos lavar das sementes que não brotam em terras ressecadas pelo excesso de tempo na falta de vida. Deixar descer entre as pernas os grãos que não possuem uma chance. Vamos ver brotar os ramos verdes, os grãozinhos afetivos de feijão em pequenos potinhos de iogurte, vamos ver crescer a umidade, a nutrição, o amor, e tentarmos entender por que é que no nosso caso, o algodão virou erva daninha. Vamos beber da água dos afogados na banheira de casa. Plantar nosso suicídio a salvo no banheiro. Vamos comer do nosso vômito bulímico, os restos de amor que destruímos, na falta de um alimento a mais. Vamos nos enterrar no lado na terra onde a morte abraça, beija, ama, onde ela nos erotiza, onde somos tocadas. Vamos infestar o marfim dessa banheira de vermelho, onde histórias são escritas, e contatas pela boca que nos beija, enquanto nos beija. Vamos esperar a morte juntos, alucinando.

terça-feira, 14 de abril de 2015

14.04.2015

Santa Genovese das trinta e oito testemunhas acovardadas pelo fenômeno psicológico da desculpa esfarradada. Mulher enrolada no cobertor de retalhos costurados com o intestino da sua tataravó, enquanto dormia ainda sentia o cheiro de merda de seus antepassados. Genovese da minha culpa de ter nascido no mundo errado, espírito cuja solidão fora plantada no planeta mais distante da via láctea. A vadia Genovese das cinquentas facadas moralistas empunhadas pela mão de deus dizendo que o homem haveria de ter um pênis e ela haveria de ser penetrada, não pelo órgão, mas pela faca, porque a rejeição era a foto mais funda já tirada, um hubble deep field de mim, do lado avesso, onde o sol também é pequeno e o calor um ponto negro esburacado.

14.04.2015

Sombra sem nome, sem corpo. Gotas escuras pelo chão. Ambiente de dormir em preto e branco. O amassado da cama, o conforto da minha porta trancada. Minha reza começando pelo final do terço, uma história sem final feliz, cada conta a me afastar do término, eu acreditando que houve um começo. A insônia como uma resposta amorosa de todos os monstros que me queriam. Todas as patologias. Meu erotismo sacrificado no altar dos meus sonhos. Você ofereceu meu sangue como se eu fosse uma virgem. Deus não me quis.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

13.04.2015

A pequena escultura hindu me olha. Um cuidado de gesso. As minhas preces escorregam e, ao tocarem o chão, viram estilhados de choros, serpentes que pedem colo à estátua dourada, um elefante paterno, um ponto vermelho cuja função é brilhar no escuro. O sal das lágrimas se separa da água. Meu choro se constituía daquilo que é afastamento. Uma janela assaltada pelos graus negativos do ar, um embaçamento e o dentro era da mesma cor que o fora e essa cor era nenhuma. 

13.04.2015

A tua estupidez regava as minhas dores. Eu plantada no pátio da tua vida. Eu encolhida no inverno do teu desabraço. Meu pé sobe o teu pé, na noite, onde a umidade reza os poros da pele, arrepios que buscam a divindade, você um calor disfarçado de sobrenatural. Meus pés sobre os teus pés. Os passos de chão ausente, a confiança da gravidade, a queda interrompida, uma caixa da música sob um móvel lunar, e eu acho que danço. A tua presença era a acrobacia do meu desejo, e eu caía sempre para o lado onde você não estava. Esqueço, por um segundo, que as únicas mãos a tocar minhas costelas eram as suas. Escapou de mim o momento em que a corda da caixa de música devia ter feito outra volta. 

quinta-feira, 9 de abril de 2015

09.04.2015

Faltam as unhas para a feitura de uma cova transparente no ar. Sarcófagos sem limites me guardam. Um homem mumificado deposita o ar em minha boca. Suas mãos enfaixadas, desfibriladores que acariciam meus seios. Aos poucos, seu abraço me enfaixa. Não há promessas na morte, ela é o devir da promessa, ela é o desmascaramento das possibilidades. Fui enrolada por uma gaze, dos pés ao pescoço, meu corpo era o sintoma de um fracasso, a via de acesso da dor, uma trilha para a escuridão. O interior desse corpo encontra paredes movediças, e os órgãos estouram a cada minuto, derramando líquidos espessos, amorosos, desiludidos, ali, onde a minha história se esconde e não é possível visualizar um horizonte. O branco das faixas é possuído pelo vermelho. O olhar do homem é possuído pelo vazio. E eu sou possuída pelo homem.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

08.04.2015

A tua espingarda calibre doze beijando a minha nuca. A minha saia de tule azul manchada de sêmen. O gatilho dos teus braços comprimindo minhas costelas, um abraço é um enforcamento gentil das emoções. O reflexo na porta de vidro da sacada, meu corpo nu espalhado na cidade, uma dupla visão que acusava meu caráter de fantasma na tua vida. Os rifles derramando meus líquidos nas tuas mãos. Anti-masturbação, anti-amor. Você me aperta contra si. Ejacula a morte nas minhas pernas. Rompe minha pele em quinze pontos do meu corpo. Por um minuto achei que você entraria em mim pelo furo da bala.

terça-feira, 7 de abril de 2015

08.04.2015

Durante sete dias andei numa corda de acrobata e a menina então saía da televisão e me abraçava. Aprendi desde cedo que os monstros amam mais. Que a falta se faz mais forte que a presença, e as consequências são mais fundas. 

08.04.2015

Estou na água. Aquela água cinza. Estou boiando. Estou agarrada ao meu ursinho que se encharca de podridão. Estou pesada como um urso encharcado. O colo do afeto chamado pneumonia. Estou ouvindo uma caixinha de música a rodar no centro do ursinho. O meu coração nunca girou como a mola de uma canção. O meu coração sempre rangiu. Abri a porta e entrei em um lago. Estou na água. Afundando. Estou confundida com meu urso, encharcada com meu choro, enterrada no que umedece a terra. Estou impedida de ressuscitar. A cada segundo o afogamento se renova na boca, no nariz, no peito.

08.04.2015

Nenhuma nuvem de chuva e o tempo todo os trovões me acordavam. Senti na pele a divisão dos grãos, aquilo que quebra a unidade, e vi que o que me cobria era uma quantidade incalculável de areia de um deserto. 

07.04.2015

Você escreveu uma história de horror na minha vida e uma vez por mês descia entre minhas pernas a tinta da caneta que você usou para riscar minha morte. Eu procurava sinais sanguíneos de minha desilusão numa bizarra plantação de trigo esquecida ao sol. O grão ressequido. A folha desumanizada. O verde amarelado. Fungos invadindo a folha. Um espantalho chamado idealização. Eu penetrada por um pênis morto cuja função era manter pássaros longe. Se não tivesse se enfiado entre meus espaços não teriam tantas aves furtado as sementes dessa safra. Agora, esperemos. Não haverá colheita. 

07.04.2015

A força das patas do cavalo não o levavam pra frente, mas marcavam a terra com os cascos e o impulso se revertia em compressão. A intuição o faria se enterrar ao invés de fluir. O cavalo cuspia sua liberdade com desprezo de quem já correu e descobriu que a liberdade não tinha fim, porque a morte era a privação e a infinitude era um cárcere mais impiedoso do que o impedimento. A liberdade era uma anti-vida porque carregava em si a eternidade. A dona desse animal era uma índia cujo ritual de reverência à natureza fora trocado pelo ritual dos cortes sem suturas, uma invasão da civilidade marcado no vermelho do sangue, um coração azul inchado, escorrendo pelas pontas seus fluídos, sua afeição. Como a pata do cavalo, o coração se comprimia e buscava o enterro.

07.04.2015

Sento à beira do lago, congelando a água, sob minha pele, até os joelhos, meus pés se mexendo, precisando de calor. Ao menos fundos nessa água, estavam vedados ao acaso que os ventos poderiam trazer. Prefiro a morte e sua certeza. Comprimidas minhas veias como se alguém quisesse tocá-las a ponto de mudar a cor, apodrecer meus caminhos como se alguém me amasse imensamente a ponto de cometer um crime passional e acabar com todas minhas possibilidades. Continuo mexendo as pernas, no lago, contra o congelamento, contra a morte, contra a falta de amor.

07.04.2015

Não me submeto mais aos teus abraços de desencanto. Todos os contos de terror que você sussurrava ao meu ouvido esperando que eu dormisse porque paralisaria de medo, não escuto mais. Tua voz me irrita profundamente e acordo a cada tom dramático que você usa para me atingir, para me contar coisas do passado, e mostrar-me que não difiro das histórias que me conta pra dormir. 

07.04.2015

O lógico caminho do desafeto. Construímo-nos com infinitos detalhes de perversão. Firo-me, dia após dia, para experimentar uma subversão de mim mesma, não aceitava a lentidão com que o planeta dava voltas no espaço, preferia a selvageria do buraco negro que acabava com tudo. Tudo para dizer que não fui amada. Tudo para dizer que aprendi. 

07.04.2015

Quebro os ovos para o café da manhã. A noite era milagrosa, mas o sol tombou sobre a cidade, uma fatalidade cotidiana e inevitável. Tudo fugia de mim com a mesma velocidade que a escuridão da noite sucumbia. Ninguém gozou. Todos estavam protegidos pela mentira. Todos estavam protegidos pelo sonho. O desejo havia nos sequestrado. Não pertencíamos àquele lugar de prazer. O tempo corria na tragédia e no tédio com igualdade e isso era a exata medida do quanto ele não nos amava. Saí limpa de algum modo. Minha mentira era mais funda. 

sexta-feira, 3 de abril de 2015

03.04.2015

23 minutos para a morte. 23 degraus para o céu. 23 metros na queda ao inferno. Ainda éramos dualistas. Ainda era essa a nossa segurança máxima. Ainda não podíamos esparramar o corpo em espaços cuja qualidade desconhecíamos. De que maneira, se não essa, saberíamos onde estamos? E sem conhecer o corpo externo, nossa extensão emocionalmente machucada que era o mundo, como entenderíamos o limite da nossa própria matéria? Sem o lugar, como entenderíamos que estamos depositados cuidadosamente no verbo morrer? Com o tempo escapando, estamos constantemente nos iludindo sobre estamos vivendo, estamos caminhando silenciosamente para o oposto. O que acontecerá quando descobrirmos que não sabemos nada? O que acontece com a mente que não para de se projetar para o alto mesmo quando desconstrói, e cujo mais íntimo é sempre um lugar de necessidade de amor? Ao que a finitude está relacionada ao que vivemos hoje de nossas vidas? O que nos salvará quando não pudermos mais nos agarrarmos a nenhuma ideia? 

03.04.2015

Você adentra o pesadelo. Perfura a bolha do meu sono. Faz-se pele. O escuro nos cobre. Você se deita a quinze metros de distância das minhas patologias. Eu toco o teu braço com o medo acumulado na ponta dos dedos. A tua presença imaginária limpa o cenário da minha cama. A tua respiração varre os monstros do meu sonho. Você interrompe minha hemorragia com a tua pele sobre a minha pele. O silêncio da ausência do futuro é bem vindo e nos faz adormecer mais profundamente. Vamos experimentar o corpo, o alívio de nossas mentes cansadas. Vamos respirar o ar do inconsciente. O alcoolismo dos santos. Então tudo é arrastado para o que chamamos de falta. Nada fica impune quando um mundo adormecido se movimenta, se levanta, e acerta nosso peito como maré de conteúdos latentes, a ferida não cicatriza nessa água salgada que é o acordar. Sou abraçada pelo medo. Sou cuidadosamente abraçada pelo medo.