sábado, 27 de fevereiro de 2016

27.02.2016

eu soltei a mão do poema. 

os ossos estalavam tão próximos 
do folego da palavra. aquela respiração 
de quem conhece o lado de cá e também
algum outro lugar que não é lado. 

eu soprei pra longe a palavra

como um desejo de aniversário
a crise me dizendo que todo sopro arde 
a ferida e que desejos são feito de 
chupões e lambidas e os sopros não servem
pra deixar as palavras bem longe.

eu arranhei a casca de um poema

essa madeira podre e úmida como 
eu mesma era podre e úmida e por isso
tão inquebrável quanto essas fantasias
enterradas nos pátios das casas a venda
o silencio envelhece a madeira e a pele

eu mirei o espelho no olho de um poema

sem saber que os espelhos servem para vermos
coisas que já vimos e não queremos abandonar.

27.02.2016

eu destruí 17 mil km's de paz. havia um acidente no túnel e esse acidente não encontrava nenhuma estrada para o futuro. havia um silencio pós-tragédia caminhando lentamente sob o asfalto escuro. eu destruí 17 mil km's de esperança, e a hora mais escura da noite ainda nem havia chegado. o farol quebrado apontava a palavra. o banco torto esmagava a palavra. o combustível vazando encharcava de ameaça a palavra, os cabelos, o rosto. há que se inventar outra linguagem, alguma cuja temperatura se aproxime de tudo que corre o risco. alguma que caminhe lentamente sobre um túnel acidentado. talvez alguma língua que também estivesse encharcada. 

27.02.2016

há que se ter no corpo um tempo para se despedir das palavras.

27.02.2016

essas palavras rasgadas na tua boca de querosene, 
os aterros estão cheios, eu sei, eles estão fedendo
a palavras. e o meu ouvido já é surdo como se uma 
terrível notícia tivesse explodido o meu tímpano esquerdo, 
acho que se trata daquele suicídio mal-explicado, 
homicídio, genocídio, infanticídio - o que foi aquilo?
se fossem apenas as palavras rasgadas, a animalidade,
há muito de ti enterrado - o corpo nu contra a palavra, 
há muito de ti queimando esse aterro abandonado, mas 
o teu corpo nu contra a palavra - queimando tanto.

27.02.2016

eu fui geneticamente modificada para colher amoras. nothing make sense. há cinco coisas que voce deve saber - a primeira é que tua barba deixou rastros para o meu suicídio. - a última é que eu fui geneticamente esquecida em algum laboratório clandestino. há mais de mim nos registros de algum velho, eu queria que fosse um poeta. eu queria que fosse todos os vidros do mundo quebrando, ou a onda sonora daquela mensagem depressiva abrindo as paredes do planeta; tudo tão nojento, tudo tão absurdo. nothing make sense e eu queria que fosse um poeta - eu fui geneticamente escrita como alguém que sujasse tua barba com as amoras, talvez, comigo mesma.

27.02.2016

nenhuma catarse para hoje. abrimos as folhas do diário como se as garotinhas escritoras tivessem levado um par de tiro perdido. não vamos ler nada, e a reza vai até as quatro da manhã porque as almas batem suas cabeças nas paredes imitando os sinos das igrejas, as missas, as catarses esquizofrênicas. não vamos ler nada. como os presidiários elas enfiam tudo na boca, e no raio x os ossos quebrados boiando na tristeza, mas nenhuma catarse pra hoje, vamos foder em silencio, vamos fingir que uma palavra luminosa nos toca. o aterro pegando fogo, todas as palavras vão morrer um dia, vão deitar como as escritoras que levam tiros, e sentir as narinas queimando com a fumaça, esse aterro perdendo todas as palavras, nenhuma catarse hoje, a gente goza em cima do silencio, a gente goza como quem leva um tiro e não se lê nada nos diários, nem nas missas, nem na quarta hora da madrugada.

sábado, 20 de fevereiro de 2016

20.02.2016

Penso em mãos apagando a luz de um quarto
Penso nelas com a paz
de uma cidade destruída.
Penso na gentileza do silêncio puro,
nas janelas quebradas abrindo severamente
os seus limites.
Penso na inquietude dos dedos, e no gosto
metálico da procura, e penso em mãos
gentis que apaguem o corpo, como se fosse
a luz de um quarto.

20.02..2016

Eu disputo com o animal aquela linguagem
enterrada abaixo da raiz das plantas.
Há entre a realidade e eu mais de 230 poemas,
e nenhum deles pode usar meus pelos
para falar de dor.

20.02.2016

Estamos sempre sujos de
fome, na porta estão as palavras
despidas dos seus propósitos

As chaves são objetos de artificio
brilhando como o inferno.

Estamos sempre sujos pela
vontade de dizer coisas cujos
sonhos explodem bocas ao dizer
e dormimos sem que o sono acabe.

As camas são objetos de artifício
gritando como se doessem.

Estamos sempre sujos pela intenção
de nos atirarmos ao pé desse
objeto que nos olha como se
fossemos cama, ou chave ou
a última fome.

A fome é um objeto de artifício
comendo qualquer coisa que toque.

20/02/2016

Esta absurda clarividência de
sabermos das nossas vidas como
cães sabem da própria fome.
Não há espaço para fora das janelas
dessa casa cheia de amor e também
de apavorantes poemas nos quais
toda clarividência é morte.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

18.02.2016

A realidade fede a eletrochoque. Seria preciso que toda violência da noite coubesse no meu punho fechado, então eu escreveria esse poema.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

17.02.2016

meu pé na nascente da tragédia
teus dedos congelados - animal
decepado - a lamina na cozinha
estrelas não gritam - brilham e
apagam com força - meu pé na
fissura de um canyon. há cinco
pulos em atraso, o que arde é o
coração e a cocaína. tu apaga a
luz do quarto constantemente e
eu escuto os ossos do meu pé
quebrado, nascente alcoólica
natureza morna e as tuas mãos
sempre quebrando ossos.

17.02.2016

Visita as folhas desta planta que te cresce
na garganta, arranca-as, desfaz-te desta
semente de nascimento eterno escondida 
atrás da tua língua. Engole, se for preciso, 
essa umidade de querer crescer, essa 
bagunça de adubo e raiz, desmancha 
essa intenção de palavra-flor, esse fantasma
de fruto levado pela praga, pelo inverno
pela falta de cobrir os teus ouvidos 
de outros poemas, de outra autoria, 
mastiga essa pedra de silêncio e depois
presta muita atenção na palavra que nasce. 

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

16.02.2016

Fronteiriços, os meus órgãos 
foram entupidos por símbolos,
funcionam mal e lembram
a minha mãe sonolenta 
aos prantos porque os símbolos
atacavam a noite.
eu não lembro do segundo
o crescimento a dureza dos ossos
eu não lembro do segundo
eu fui girada como a chave
de um delírio
meu fronteiriço umbigo sangrando
funcionando mal como uma unidade
partida - eu não lembro do segundo
os símbolos penetram mais fundo
nesta floresta árida - deitada como
um corpo morto - as árvores sonolentas
como órgãos feridos - uma chave 
partida - eu não lembro.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

15.02.2016

A voz descansa em cima do sonho 
aqui embaixo todo tecido se molha de silêncio. 
As antigas contraturas se movem como
as placas tectônicas de um desejo.
Somos fragmentos e ressonâncias
destes nós apertados como os erros 
de uma mãe, pedras, - estrelas - 
um continente que não encontra
um molde para todas suas florestas.
A voz descansa no escuro de um corpo
e aqui dentro todo tecido se molha de sonho.

15.02.2016

Esta voz se abre para a cor vermelha
seus nódulos são pássaros incômodos
agitando suas asas na beirada da morte

Esta voz se abre para os ligamentos
do sonho, seus dedos são pequenas
agulhas nas aberturas do corpo

A fala retém a semente de todos os invernos.
E a voz se abre como as nuvens apontando
todas as distâncias.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

15.02.2016

essa linguagem rasteja como uma
roda xamã inconsciente
grita como se chamasse um 
espírito em chamas 
de volta a si
essa linguagem massacra 
a si mesmo
no canto do corpo
como animais desorientados
na fumaça, essa bruxaria
da fala - de buscar nos espíritos
água para apagar incêndios. 

15.02.2016

Você não é novo, você é o antigo mal estar da sociedade, te fumaram inteiro num cachimbo de mentira, você me deu o olhar de destruí a tua vida, você me colocou numa escadaria infinita de poemas como se eu fosse uma versão freak de uma figura idiota mitológica que tenha que ficar subindo, subindo, subindo até onde não faça mais diferença, a poesia é um pequeníssimo buraco negro na tua testa e eu mirando mirando, uma atiradora nervosa demais pra aceitar teus remédios, uma atiradora histérica demais pra perceber a maldita roleta russa na bala, na cápsula, na vagina, na maldita mania de escrever todos os erros, o único erro, não ter te empurrado para o meio do poema que falava de atropelamento, você não é novo, eu não sou nova, eu sou uma página gasta desta história te lendo sem poder dizer que também sou feita de palavras, que também sou feita de buracos na testa, desses que a bala atravessa e para no azulejo da tua cozinha, do teu banheiro, na parede de todos os lugares que tu inventou pra me foder.

14.02.2016

Eu sentei por horas na frente desse espelho
eu sentei por horas na frente desse corpo
eu sentei por horas na frente da tua impotência
eu fui buscar um cigarro em mim mesma e nunca mais voltei
eu sentei por horas na frente dessa obviedade
eu fui buscar uma coisa pequena que pudesse te queimar
como uma caixa de fósforos para o cigarro que me fez sumir
daqui e eu continuo sentada por horas sem vestígios
dos meus cabelos longos, do meu perfume de mulher
esforçada, a sala contaminada pelos meus desejos venéreos 
todos culpados, todos vermelhos, todos inconfessáveis
a minha vontade de atear fogo na gente enquanto eu tava 
sentada em você, tão nua tão sem nicotina tão sem propósito
para aquele fogo, você tão silencioso como um homem que fuma 
mas que não sumiu nunca sumiu daqui. 

14.02.2016

O corpo forrado de silêncio

o dobro do peso esse corpo
encharcado de tentativas

inchado de perda

iluminado pela insonia e talvez
pelo contorno lilás da demência

esse corpo quieto sobre a cama viva

as palavras rompidas como
a placenta de um prematuro

as tuas últimas palavras foram
encher meu corpo de silêncio 

14.02.2016

Hello, dear
a noite lembrava a textura aversiva
de um peixe, 

hello dear, 
não há fogo que te cozinhe

três batidas na porta 
please don't come so soon

a pele do silêncio
cheia de pelos
cheia de 
o jantar foi abandonado
evidencia-se

o céu não pode ser aberto
com as tuas facas.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

12.02.2016

A noite espalhava sonhos impossíveis de cicatrizes e amadurecimento. As horas inflamando como feridas mal tratadas, não tratadas, evitadas por todas as luzes e todas as flores. Durante a noite os fantasmas recebem respiração boca a boca.

12.02.2016

Aos poucos as palavras te mastigam - tu esquece o fígado perto do canibalismo do poema - aos poucos elas te expulsam da realidade, o peito vai se tornando uma pandora histérica, os poemas afundam na lama do corpo, tudo vira sopro e tentativa de linguagem - as limitadíssimas letras do alfabeto - as plantas claustrofóbicas nas raízes.

12.02.2016

A palavra triturada. 
A palavra distendida como um músculo equivocado.

É preciso respirar o silêncio sob a superfície dos móveis da casa.
O lar é um balanço suspenso na escuridão do corpo.

E o mundo é um animal suspenso no escuro do corpo.

11.02.2016

Guardava em mim as palavras - com as mãos empurrava mais para dentro - essas mãos de me tocar nas costuras - eu imitando uma boneca vudu - as palavras esmagadas como as mulheres nas câmaras de Auschwitz - tudo pronto para o feitiço, a fogueira, o alfinete tão sutil.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

02.02.2016

Eu vou caminhar em verdes pastos
e atravessar as flores da tristeza
porque eu não temo
eu dei 197 facadas no meu ex-namorado
quem nunca quis que atire a primeira
metáfora esdrúxula para algum poema
eu cansei, vou pisar na grama, e deus
vai vir porque tem uma placa, e deus
vai queimar os verdes pastos, porque
ele sabe que eu preciso.