sexta-feira, 22 de abril de 2016

23.04.2016

Chove forte como se as palavras caíssem violentamente. Os relâmpagos atravessam meu corpo tão silenciosamente como se me pedissem desculpas, iluminar a memória até que ela se torne o centro de um curto circuito, chove forte como se alguém sinalizasse com o dedo sobre a boca um pedido de silêncio.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

13.04.2016

Está no comando e os teus joelhos
desmancham-se como poeiras
de uma casa antiga quando o vento
é mais forte que a esperança.

A tua casa possui janelas magoadas
e delas tu percebe um horizonte
despedaçado.

O silêncio nunca para de te mastigar,
esse confuso animal doméstico dorme
como quem salta de prédios
infinitos.

Está no comando e a tua casa
é distante e perversa como uma janela
trancada. Há noite tu mergulhas
no rio atrás da casa, atrás da janela,
atrás de todos os horizontes e
eles surgem gelados em suas nascentes,
tu estás no comando de teu silêncio
infinito.

A noite é um animal confuso
ao redor de uma casa trancada
você não está no comando.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

09.04.2016

A mão líquida de um poeta.

Mão de soltar outras mãos

nos abismos, mãos de penetrar

na escuridão do corpo.


09.06.2016

Os olhos mudos de um poeta

os sonhos como sementes encharcadas

para dormir devemos deitar em cima de espelhos

e fechar os olhos com força.

Somos o produto dos olhos mudos de um poeta.

09.04.2016

A boca incinerada de um poeta.

Para dormir devemos soprar os sonhos

como machucaduras infantis.

Somos o produto da boca incinerada de um poeta.

09.04.2016

Sumir com a mesma gentileza de quem dorme.

09.04.2016

Penso em que determinado lugar uma fêmea se atiraria ao parto dentro de sua floresta. Penso na ignorância das mãos nutrindo esse terrível momento de solidão, na mordida desesperada desses bichos cansados e alheios ao furor do poema. Penso na natureza do abraço destituído da palavra abraço. Penso no olhar quando não existe nenhuma palavra, nenhum nome, apenas uma confusão soberba e maciça de sensações.

09.04.2016

Os olhos mudos de um poeta

os sonhos como sementes encharcadas

para dormir devemos deitar em cima de espelhos

e fechar os olhos com força.

Somos o produto dos olhos mudos de um poeta.

09.04.2016

Há que se cortar com tesoura apropriada
a vulnerabilidade pelo caule. Essa planta
de machucar mãos.

09.04.2016

Sob meu seio esquerdo está a sombra da tua mão
quando a tua mão era encher um poema com palavras.
Há um excesso de mar ao redor do continente,
ele serve para desenhar afogamentos e jogar
em ressaca toda a solidão de um corpo boiando.
Sob minhas pernas ainda há a temperatura
destes afogamentos, a solidão é cada vez
mais salgada e o continente úmido, entretanto,
há um rosto sujo de areia, há uma terra,
há a sombra de um poema sob o corpo.

08.04.2016

A minha perna está amortecida sob os teus desejos.
Esta casa está pálida e sofrendo.
Há pedaços de metáforas em todos os quartos.
E barulho de espíritos batendo portas.
Eu não sei dizer quantas horas tem uma noite.
O pássaro há muito canta voz de morcego.
Esta casa está fedendo um pesado silêncio.
O meu desejo está amortecido sob as tuas pernas.
Essas janelas destrancadas para a desesperança.
Há muito eu canto rastros de pneumonia.
Esse ar de faltar música, flor, pássaro.
A desesperança como pernas, pedaços de desejo,
amor-tecendo, palidez, poema, silêncio,
em todos os quartos, durante todas as horas.

08.04.2016

Queria morar numa casa onde houvesse um
excesso vulgar de tecidos. E vento. E perfume.
E solidão.
Queria morar numa casa onde houvesse um
cheiro de cachaça pelo ar. E camas. E esquecimento.

08.04.2016

A boca melancólica de uma mulher guarda a fumaça de um sonho. Sob um falso movimento de respiração ela expele seu sonho para fora. A língua dessa mulher não umedece as palavras do poema. 

Eu gostaria que fosse setembro, a altura de dizer que aquele poema era tão mais que um poema.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

07.04.2016

Fomos longe e nenhum inferno nos abrigou. Para dormir precisamos ir aonde ninguém mais vai. Somos uma galáxia queimando em silêncio. A deep hubble ultra field da desesperança. Quando eu era criança enterrei as patas do meu cachorro embaixo do meu travesseiro, durante o sono eu fingia que elas corriam embaixo da minha cabeça, e escutava os latidos como estalos dessa casa ardendo, a deep hole onde eu depositava meus sonhos. Para acordar precisamos ir onde ninguém vai conosco, uma galáxia queima, ela é infinita. 

07.04.2016

Todas as palavras abrem as portas erradas. Porque se é certo não é porta. Todo deus penteia cabelos de garotinhas com sua raiva trincando as pontas dos dedos, o espelho é uma oferta ao desespero: sempre aceita, a fome trinca qualquer alma. 

07.04.2016

A noite chega como um corte
na artéria femural, quanta coisa
vermelha escorre da gente
quando não estamos esperando
porque não sabemos como,
ou por quê. Faz alguns dias
que o sono engasga todos
os poemas não escritos
porque não se sabe qual
ou onde, é tanta artéria
arrebentada que a noite
soa esse líquido perigoso
dentro do corpo. Essa palavra
não dita afia todo seu potencial
de mutilação nesse teu silêncio
metálico. Tua boca era uma semente
agressiva e enterrada na minha língua
ou o oposto, já não sei se cresço
ou se arranco os meus pedaços.

07.04.2016

Estou com os pés nus
em cima dessa imagem
pura da bulimia. Eu nauseio
todas as distâncias, ainda assim
não as paro de engolir,
estou com esses pés
sujos de fome.
A solidez da tua ereção
era o quanto
toda palavra em mim
se quebrava, finalmente
Todas as estrelas tem pontas
afiadas e brilham contra
os homens violentamente,
são imagens puras de
amor e cinismo.
A noite noite sob as tuas paredes
era toda a resoluta idiotice
de um suicida religioso.
Eu era uma resoluta invocação
de desprezo para todo animal
linguístico, essa estrela de
ponta queimada. Estou
com os pés queimados em cima
dessa amorosa imagem,
você, brilhando violentamente
contra mim.

07.04.2016

Esse transtorno obsessivo
afetivo
A maldição de ter mãos
A maldição de deitar dentro
de um corpo como quem
esqueceu que morreu
Esse meio dia histérico
A drogadição da memória
com suas setenta e oito
mãos.
Houve um tempo em que
deus enfiava suas mãos através
dos meus seios e encostava
mas costelas com raiva, suas
runhas roídas, deus tem muita
tensão. Houve um tempo
em que eu dormi tão fortemente
que afundei meu nariz no pescoço
de uma bomba relógio,
essa drogadição que é viver.

07.04.2016

Sob teus lençóis úmidos a pele era uma fotografia.

O universo inteiro é um ninho de
solidão.

O silêncio é uma palavra morta
sua palidez é uma fotografia
in memorian, é um planeta preso
em trilhos, preso em um ninho,
ele respira mais baixo que um
pássaro morto.

Ainda sobre tecidos e imagens:
teu corpo também é um ninho de solidão.

Há as fotografias escuras e há
a penetração, in memorian
o corpo é uma palavra viva
no encalço de um pássaro
em desespero.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

04.04.2016

Dormir, afogado no sonho, 
na escuridão de um relógio parado, 
partir para o único lugar que existe, 
o corpo, esperar com a paciência 
de um animal mortalmente ferido
à luz de todas as fotografias
diluídas. Diluir todos os 
afogamentos na escuridão
de um corpo parado, fotografar
uma ferida mortal, como
um animal que espera
a morte, o sono, a imagem. 

04.04.2016

A manhã não nasce, explode.
São oito e alguns minutos de violência.
Os pássaros gritam resquícios de sonhos,
enquanto rasgam, desorientados, o pesadelo.
Durante a noite o mundo inteiro segura teus pulsos.
Os pássaros respiram dentro de uma insignificante
caixa torácica, é hora de partir, eles cantam.
Dormir também é explodir, enquanto
o mundo inteiro segura teus pulsos.

domingo, 3 de abril de 2016

03.04.2016

A luz dilata a íris, e dilata também
a natureza confusa do sonho.

Somos animais marinhos respirando
a excessiva umidade das palavras.

O mar imita nossos contornos, tão inseguros, tão inquietos.

Nadamos em água salgada demais
para o silêncio.

Somos animais marinhos dilatados, úmidos,
tu tocaste com os dedos a minha inquietude.

A luz dilata o corpo, a palavra, dilata também
a natureza confusa do silêncio.

03.04.2016

Há toda uma ordem violenta ao redor do corpo,
somos tão diferente dos oceanos - instáveis e
delicadamente descontínuos - em nós há toda
uma violência ao redor do que chamamos de
sonhos, se silenciamos não é sem rancor que o fazemos.

Há toda uma eternidade atrás da palavra,
se tememos é com esse pânico muito fino
como a roupa gasta em cima da pele, ou a
finíssima casca de um machucado antigo,
se tememos é porque somos tão violentos
quando sonhamos, e se silenciamos não é
porque deixamos tudo pra trás delicadamente.