sábado, 4 de janeiro de 2014

Herberto Helder, Tríptico II

Não sei como dizer-te que minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
vasta e esplêndida.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante, 
e na terra crescida os homens entoam a vindima
- eu não sei como dizer-te que cem ideias, 
dentro de mim, te procuram. 

Quando as folhas da melancolia arrefecem com os astros 
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada 
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão 
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
- E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio, 
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
- não sei como dizer-te que a pureza, 
dentro de mim, te procura. 

Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstrato 
correr de espaço - 
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega 
dos meus lábios, sinto que me faltam 
um girassol, uma pedra, uma ave - qualquer 
coisa extraordinária. 
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto, 
a criança, á água, o deus, o leite, a mãe, 
o amor, 
que te procuram.