quinta-feira, 22 de outubro de 2015

22.10.2015

As finas arestas - psíquicas -
a serem podadas em seus delicados
túneis - de respiração

traqueostomia - libélulas -
imprevista saída de emergência
de afogamentos - o líquido
espesso correndo para o lado
contrário do corpo
traqueostomia - larvas de mosquito -
minha mãe vermelha chora
e costura tapetes em meu pescoço

As gotas delicadas da morte,
sangue magoado - coágulo do
remorso - de escrever poesia.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

15.10.2015

Entendi que não posso enlouquecer: escrevo. Para cada delírio invento um motivo, e para cada motivo um culpado: sou religiosa ao extremo: canto hinários de morte disfarçados: a última palavra do poema abrirá crateras: túmulos carregados com o choro de um cachorro faminto: ele sempre está faminto.

Para cada verso há um lugar no qual eu me calo mais fortemente.

Entre a loucura e a realidade existe a linha que repito: sou religiosa ao extremo: rezo antes de dormir, sempre sonho que o inferno me leva. Meu jantar é composto de pão e vinho, mais vinho, muito mais, e também incluo na reza um altar para o álcool: esse instrumento de abrir os sonhos como se abrem as latas de sardinha, e descobri-los com olhar de peixe, igualmente mortos, igualmente apertados em metais baratos. 

No fim de cada palavra há morte, um instante de traição.

No final de palavra há um corredor sem portas. No final do poema o espelho se parte e voltamos ao silêncio da ausência de imagem: plantamos as patas no lugar para o qual não há mais outro lugar para ir: isso é o desespero do fim do poema. Inventamos outros, e mais outros, como não fossem degraus idênticos daquele prédio enorme cujas janelas dão para o lado de dentro, apenas, e terrivelmente para o lado de dentro onde os elevadores param em andares imundados de mágoa. Não temos pernas para as escadas, não temos as patas do cavalo. 

Ocupa-me até a morte como um observador de gaivotas.

O choro do cachorro confunde o choro da gaivota e ela diz simplesmente que não se ocupará afetivamente do teu olhar pousado na janela enquanto foge de todos os lugares existentes. A gaivota foge sempre, não importa em qual montanha ela esteja. A ti, observador enterrado em estranhas arquiteturas cujas janelas não dão para o lado de fora, resta observar a fuga e sonhar que ela encontre a cobertura de qualquer lugar existente. Não estranhe o vento gelado quando ela canta: o elevador está parado no meio da uma montanha e tu não pode usá-lo. 

Apegar-se ao sonho é empurrar a última palavra do poema. 

Ocupar-me até a morte com os mesmos dizeres. Fingir que são novos, fingir que eles invadiram novos pedaços de corpo. Mentir que eles continuaram após a última palavra quando todos me viraram as costas. A última letra é um coração jogado fora, a última letra é uma promessa falida, o choro de um cachorro faminto: no poema o elevador para nos andares errados e tu desce na montanha e não há nada nela. 

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

12.10.2015

A escuridão penetra silenciosa e
violenta pelas fissuras dos ossos,
carrega segredos de melancolia
que se espalham na correnteza
do sangue.

O gesto e a fala são restos de
acidentes.

O silêncio costura a pele quando
a palavra se vestiu de
lâmina e dúvida e também de
recusa.

Os vidros do inconsciente trincam mas nunca se partem.

Durante o sono estes vidros desmancham
como flores numa interminável chuva.
Encharcam suas raízes, levam
a água pelos caules, buscando encontrar o
afogamento iminente, murcham sozinhas.

O outono leva a folha da árvore e planta o
desengano nos pátios das casas sem dono.

Uma única luz invade o quarto pelas frestas
Sempre há frestas esquecidas abertas, sempre há
persianas quebradas num apartamento da infância.

A luz é rancorosa e prateada, e
serve como ponto de apoio para
a loucura.

Quando a lua invade o quarto, na madrugada,
sem te desejar uma boa noite, ela te encontra
vomitando delírios pelo chão, sem que ninguém
te erga os cabelos.

12.10.2015

Estou parada à porta de um pesadelo.
Um olho na maçaneta se fere de fumaça.

Nos meus pulmões existem resquícios
de poemas e também de despedidas
talvez punhado de areia.

Estou parada, os dedos na fogueira
derretendo unhas e também sensação
de que sou uma mulher.

Um lugar de onde se jogar.
Um lugar para o qual se jogar.
Tudo o que abraça a queda.

A luz invade os bueiros da avenida
as ruas estão despidas de passado
a tua cama está repleta de remédios

Estou parada em frente uma casa abandonada,
a noite chora baixo e ninguém escuta.

Eu respiro mais baixo que a noite,
o coração lá do outro lado da porta,
pintando palavras melancólicas nas
paredes, o cheiro da tinta escapando
pelos vãos das janelas, como se fossem
um choro se dissipando na lonjura da noite.

12.10.2015

Entre o sono e o acordar existe um crime,
um assalto, uma ferida, uma discórdia.

Coloco minhas pernas no delírio, uma e depois outra,
quando na noite a ave fala que o mundo é longe
da onde está o meu corpo dividido.

Descanso pés em precipícios, suspensos
os meus sonhos com digitais perdidas em
incêndios: minha língua não sente o gosto
da queda.

Entre o viver e o apagar existe um
suicídio, a qual me submeto quando a ave
se cala.

A noite carrega tristezas na altura
dos meus joelhos: um assalto, uma ferida,
meu corpo repartido nas rochas, portas
fechadas a força, sonhos que descansam
nos buracos.

Entre acordar e dormir não há a tua mão.

domingo, 4 de outubro de 2015

04.10.2015

Na minha veia corre o silêncio: acho o cheiro de sangue enjoativo. Isso porque jamais abri nenhuma parte de mim mesma: menti 305 vezes: suturas fantasiosas, corações quebrados, pulsos torcidos: jamais abri nenhuma parte. Construí dezessete edifícios de palavras, todas espelhadas: devolvem a luz como meu tio arrota, depois do almoço. Dentro elevadores andam sozinhos: a cada andar diminui o espaço entre o coração e a tristeza: são tantos andares de silêncio.

04.10.2015

Apagaram as luzes
dos meus olhos.

Mastiguei quinze
palavras - enjoei
profundamente.

Aprendi a sobreviver
de silêncio.

Meus dedos quebrados
nos nós: segredos
a serem misturados
à terra que eu cavo
cada vez que escrevo.

305 poemas enterrados
vivos.