quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

sábado, 22 de fevereiro de 2014

O acaso do suicídio

Eu entro nesse quarto,
e fecho a porta.
Eu fecho todas as portas.
Uma fita cinza
me separa da morte.
A porta vedada denuncia:
eu me esqueci
no lado de dentro.


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Brinquedo soturno

Os mortos não dormem,
tão pouco os vivos.
Um móbile de pensamentos
eternamente um retorno
de algum brinquedo quebrado.
Os vivos não dormem,
eles deitam e simulam
um afastamento impossível
uma saudade de estar longe.
Os mortos não morrem,
eles deitam,
simulam uma distância
que nunca chega,
simulam uma ausência
que não existe. 

domingo, 9 de fevereiro de 2014

As horas

Tem sido um deserto, essa cidade.
E eu busquei rezar na exata hora
em que deus estava no supermercado.
Tem sido um amplo asfalto na minha frente
E toda ação agride.
Nas mãos um recipiente inquebrável
confundido nas horas,
se elas ao menos parassem
não haveria essa eterna busca
pela forma.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Clarice Pinkola Estés, Mulheres que correm com os lobos.

"Num único ser humano existem muitos outros seres, todos com seus próprios valores, motivos e projetos. Algumas tecnologias psicológicas sugerem que prendamos esses seres, que os numeremos, que os classifiquemos, que os forcemos a aceitar o comando até que nos acompanhem como escravos vencidos. Agir assim equivale, no entanto, a impedir a dança das luzes selváticas nos olhos de uma mulher; a proibir os relâmpagos e reprimir toda emissão de centelha. Em vez de deturpar sua beleza natural, nossa tarefa consiste em criar para todos esses seres uma paisagem selvagem na qual os artistas entre eles possam criar, os amantes amar, os curandeiros curar." 

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Um sinal ou um som.

Grave, um som vindo do oceano.
Era um sinal de um barco que não se via,
perdia-se entre a névoa e a água,
um sinal de alerta.
Todo sinal de alerta foi ignorado.
Nascer, por exemplo.
Um apertado sinal nos ouvidos,
nascer era mesmo um indício
de que algo ia dar errado.
Entretanto, se nesse dia frio
eu tenho os pés enterrados na areia,
a diferença entre entender os sinais
e não entendê-los era apenas
a minha feição preocupada.
O som era aquela sequência de pancadas
no peito, que não dói propriamente,
mas deposita nele uma sensação
de sufocamento, então excesso de ar,
seguido de morte.
Depois de um tempo, o som se mistura
no ar, na água, na névoa,
fica impossível separá-lo
do próprio ouvido.
Na areia ou na água, porém,
a vida era a mesma.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Eutanásia.

Desliguem
tudo aquilo que me segura aqui.
Não que eu queria morrer,
é que quero.
Desliguem, cortem, destruam
o pouco que me segura
porque o lado de dentro
sempre vence.
Entendam, não é que não queira
viver.
Entendam, não é que eu não perceba
as alternativas
É que nenhuma delas
me consumiu como eu precisava
que consumisse.
Eu imploro, desliguem-
me.
Anos de mágoa guardados
na noite
naquele ponto
onde a noite é interrompida
por uma luz anexa ao mundo,
que nem nos enxerga
nem nos pertence.
Anos de ditadura solar
Sequestros de vidas noturnas.

Me ache sozinha.

Coloca-me sozinha, apesar de tudo.
E então não me esqueço
da minha solidão...
Como uma etiqueta
no dedo do meu pé.
Coloca-me sozinha, apesar de tudo,
e me deixa desfazer
esses pensamentos frágeis,
algodão umedecendo
ganhando peso
e perdendo espaço.


Sobre aquilo que finge...

Escrevo pra fingir que alguém me escuta.
Escrevo porque escuto alguém que não vejo.
Não falo porque o mundo é grande demais
para as minhas palavras.
Finjo que isso resulta em alguma coisa,
para acreditar o inalcançável se torna
menos nebuloso.
Sempre depois no entanto
de uma chuva desumana
fico às caras com um céu que é
claro demais
limpo demais
inodoro demais
desforme demais
como se no mundo tudo que existisse
fosse apenas esse céu
fingindo ser feliz.