domingo, 31 de janeiro de 2016

31.01.2016

Próteses robóticas e corpo vazio. 
As palavras demoram nos anéis de saturno;
esperemos, elas vão cair como meteoros
esperemos mais um pouco, elas cairão
e as promessas serão plantadas naquela
floresta em chamas distante da tua
casa, do teu rosto cheio de erros,
evidencias criminais, justificativas
equivocadas para dezessete noites 
mal-dormidas. Esperemos, elas tomarão
o lugar dos sonhos esburacados, elas 
cairão com força e os poetas dirão que 
elas são mentiras astronômicas e elas 
continuaram caindo em cima do teu sono, 
em cima do teu rosto cheio de passado
astronômico, cheio da distância de Júpiter, 
e falsos anéis, como promessas plantadas 
no fogo.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Poemas de diversos autores

(Silvia Nieva)

Onde nasce a dor não há um órgão,
as palavras é que o criam.
O grito surge na cabeça,
o coração dá-lhe o impulso,
a tremura propaga-o.
O grito precede o corpo
e a dor será somente uma imagem.
A poesia inventou-nos,
criou olhos para referir olhar,
um corpo que dá sentido a corpo,
e o homem para significar homem.
O real começa na palavra.
Um poema traduzido em grito, angústia, tristeza,
sua leitura fará a espera,
a solidão
se enchendo do tempo que as nomeia.
Os poemas farão o sono e a insónia,
encherão os corpos de abstracto, verdade, mentira.
Entretanto, eu,
que existo para dar sentido às palavras,
que sou só uma imagem do arbitrário do seu signo,
entendo hoje que elas foram primeiro
e declaro aqui que a poesia acontece
e que inventa os poetas.

***

(Al Berto)

UMA PAIXÃO

Visita-me enquanto não envelheço
toma estas palavras cheias de medo e surpreende-me
com teu rosto de Modigliani suicidado


tenho uma varanda ampla cheia de malvas
e o marulhar das noites povoadas de peixes voadores
vem

ver-me antes que a bruma contamine os alicerces
as pedras nacaradas deste vulcão a lava do desejo
subindo à boca sulfurosa dos espelhos
vem

antes que desperte em mim o grito
de alguma terna Jeanne Hébuterne a paixão
derrama-se quando tua ausência se prende às veias
prontas a esvaziarem-se do rubro ouro
perco-te no sono das marítimas paisagens
estas feridas de barro e quartzo
os olhos escancarados para a infindável água
vem

com teu sabor de açúcar queimado em redor da noite
sonhar perto do coração que não sabe como tocar-te.

***

(Roque Dalton)

Está a acabar Setembro, altura de dizer-te
quão difícil tem sido não morrer.

Esta tarde, por exemplo,
tenho nas mãos cinzentas
livros belos que não entendo,
não consigo cantar apesar de a chuva ter parado
e vem-me sem razão à lembrança
o primeiro cachorro que amei em criança.

Desde ontem, que te foste,
até na música há frio e humidade.

Quando eu morrer,
só me lembrarão a alegria matinal,
a bandeira sem direito a cansaço,
a concreta verdade partilhada à fogueira,
o punho unânime com o clamor da esperança.

Faz frio sem ti. Quando eu morrer,
quando eu morrer
dirão com boa intenção
que eu não soube chorar.
Chove de novo agora.
Nunca foi tão tarde como hoje
às sete menos um quarto

Apetece-me rir
ou então matar-me.

***

(Ulalume González de León)

1
Tão longe
o pássaro
voa
que entre ele e mim cabia qualquer fábula.

2
Há que escolher
entre ser a manhã
ou então escrevê-la.

3
Ó giesta amarela,
tão amarela,
tão,
que perdi o hábito.

4
Duma palavra a outra
a nuvem mudou com o vento
e uma mentira escrevi.

***

(Roberto Bolaño)

Eu tinha vinte anos então
e estava louco.
Tinha perdido um país
mas ganhara um sonho.
E se tinha esse sonho
o resto não importava.
Nem trabalhar nem rezar
nem estudar de madrugada
com os cães românticos ao pé.
E o sonho vivia no vazio do meu espírito.
Uma casa de madeira,
a meia luz,
num dos pulmões do trópico.
E às vezes virava-me dentro de mim
e visitava o sonho, estátua eternizada
em pensamentos líquidos,
uma bicha branca retorcendo-se
no amor.
Um amor desbocado.
Um sonho dentro de outro sonho.
E o pesadelo dizia-me: crescerás.
Deixarás para trás as imagens da dor e do labirinto
e esquecerás.
Mas nesse tempo crescer seria um crime.
Estou aqui, disse, com os cães românticos
e aqui me vou ficar.

***

(Eugenio Montejo)

Um dia escreverei com pedras,
medindo cada frase
por seu peso, volume, movimento.
Estou cansado de palavras.

Lápis não, andaimes, teodolitos,
a nudez solar do sentimento
tatuando no fundo das rochas
sua música secreta.

Com seixos escreverei
meu nome, a história de minha casa
e a memória daquele rio
que vai passando sempre e se demora,
sábio arquitecto, entre as minhas veias.

Com pedra viva escreverei meu canto
em arcos, pontes, colunas,
frente à solidão do horizonte,
como um mapa abrindo-se ante os olhos
dos viageiros que não regressam nunca.

***

(Pedro Salinas)

[Mi manera de estar solo]


À noite começam
a acender-se as perguntas.

Há-as distantes, serenas,
imensas, como astros:
perguntam dali
sempre
o mesmo:
como és?

Outras,
miúdas e fugazes,
pretenderiam saber de ti
coisas de nada, exactas:
a medida do teu calçado,
o nome da esquina do mundo
onde me esperarias.

Não podes vê-las, tu,
mas tens o sono
cercado todo
por interrogações
minhas.
E um dia, acaso,
tu dirás, sonhando,
que sim, que não, respostas
de acaso e milagre
a perguntas que ignoras,
que não vês, que não sabes.
Porque não sabes de nada...

e quando acordas,
elas escondem-se,
invisíveis se fazem,
e apagam-se.

E alegre seguirás
a tua vida, sem saber
que a meio dela te encontras
cercada de ânsia, de afã, de anelos,
perguntada continuamente
sobre aquilo que não vês
nem podes responder.

*** 

(Roger Wolfe)

Conheço os argumentos todos.
E todos os contra-argumentos.
E a futilidade da vida.
Conheço a fome, a sede, a ânsia.
A alegria.
O amor? Também.
O desamor. A dita e a desdita.
Tropeço cada dia na mesma pedra.
Tropeço cada dia na mesma pedra.
Tropeço cada dia na mesma pedra.
No fim já nem sabemos
se há mesmo pedra ou se tropeçamos
por hábito, por amor à arte,
porque não somos capazes de outra coisa.
Porque o homem é um animal que tropeça.
Porque não somos capazes de outra coisa.

***

(Louise Glück)

[The floating library]

A luz mudou,
o dó está mais cavo agora.
E a canção da manhã retumba no espaço.

Eis a luz outonal, não a luz da primavera.
A luz de outono: Tu não serás poupado.
A canção mudou, penetrada
pelo indizível.

Eis a luz de outono, não a que diz:
Nasci de novo.
Não a aurora da primavera: Fiz força, sofri, fui parida.
Eis o presente, alegoria de desperdício.
Muito mudou, mas tu tens sorte:
o ideal arde em ti como febre.
Ou não como febre, mas como um segundo coração.

A canção mudou, mas é ainda uma beleza.
Confinada agora a um espaço mais pequeno,
o espaço da mente.
Um pouco triste, algo desolada, angustiosa.

Mas comparecem, as notas, rondam estranhamente,
antecipando o silêncio.
E o ouvido habitua-se a elas,
como os olhos se habituam à ausência.

Tu não serás poupado, nem será poupado o teu amor.
Um vento veio e se foi, desarticulando a mente
e deixando no seu rasto uma estranha lucidez.

Ó privilégio, este de viver com paixão
agarrado àquilo que se ama,
não ser destruído pela perda da esperança.

Maestro, doloroso:
Eis a luz de outono, derramada sobre nós.
Ó privilégio, acercar-se do fim
e crer ainda em alguma coisa.

***

(Juan Antonio González Iglesias)

[Un poema cada día]

Este é o meu corpo, onde
coincidem amor e linguagem.
A soma das linhas que escrevi
não esboçou meu rosto,
mas algo mais humilde, meu corpo.
Isto que tocas é meu corpo.
Como outro o disse melhor, isto
que tocas não é um livro, é um homem.
Sou eu, porque não há
uma sílaba que seja que esteja livre de amor,
não há uma só sílaba que não seja
um centímetro da minha pele.
No poema eu sou afagável
não menos que na noite, quando estendo
meu sonho a par do sonho que amo.
Não mosaico, nem número, nem soma.
Não apenas isso.
Isto é uma entrega. Sou pequeno
e grande nas tuas mãos.
Esta a minha salvação. Este sou eu.

Este rumor do mundo é o amor.

***

(Rúben Bonifaz Nuño)

[La cancion de la sirena]

Algo se me quebrou de manhã
por andar, de cara em cara, perguntando
por quem vive dentro.
E fala e queixa-se e torce-se-me
até a língua do sapato,
de ter que aguentar como os homens
tanta pobreza, tanto caminho
escuro para a velhice; tantos remendos,
nunca invisíveis, no coiro da alma.

Eu não entendo, eu amo apenas
e trabalho no meu ofício.
E penso, temos que viver; difícil
e tudo o mais, é nossa a nossa vida.
Mas quanta fúria melancólica
em certos dias. Quanto cansaço.

Como, então,
pensar em pratos venturosos,
em colheres sossegadas, em ratazanas
de luxuosíssimos apartamentos,
se recordamos que os pratos
uivam de saudade, boquiabertos,
e acordam secas as colheres,
e desfalecem de fome as ratazanas
em humildes cozinhas.

E não falo, que conste,
em símbolos; falo chãmente
de meras coisas do espírito.

Que insofríveis, por vezes, as virtudes
da boa memória; eu recordo-me
até a dormir, embora jure e grite
que não quero recordar.
Chego de andar à procura, mas ninguém,
que eu saiba, ficou à minha espera.
Não conheço ninguém, hoje, e escrevo apenas,
e penso nesta vida que não é bela
nem muito menos, como dizem
os que vivem afortunados. Eu não entendo.

Escrevo amargo e fácil,
em dia ofegante e monótono,
sem ter cabeça em cima do fato,
nem fato que não aperte,
nem mulher em que cair morto.

***

(Cesare Pavese)

[Cómo cantaba mayo]

Tu és como uma terra
que ninguém disse jamais.
Tu nada esperas
senão a palavra
que há-de brotar do fundo
como no ramo um fruto.
Um vento te alcança,
coisas secas e mortas
metem-se-te aos pés
e vão com o vento.
Membros, palavras antigas.
E tu estremeces no meio do Verão.

***

(Fermín Herrero)

Acordas de madrugada, ligas
o rádio, velando os teus mortos
voltas para a cozinha. Não há dia que se vá
sem derrota. Aguentas a pé quedo o frio
de um ardor que também perdeste. Começou
a nevar com força, antes assim,
para estas noites em branco. Quem te
lembrará, de que modo te sentirá a falta
para tomar alento? Talvez, certa madrugada,
alguém se apoie na primeira cicatriz
da tua memória.

***

(Alberto Vega)

Deus morreu, Marx também
(e até eu ultimamente não me sinto
nada bem)

O caso é que me busco entre as coisas
próximas, entre tanto
vinho bastardo e tertúlias de província,
trocando as voltas a uma carta
marcada do baralho do destino
com orlas às cores e falsos paraísos,
o tempo desafiando entre mitos e flautas.

Quanto ao resto, tudo bem. Obrigado.

***

(Pedro A. González Moreno)

Quando estiver tudo escrito
e forem inúteis as palavras,
traço a traço, então, escreverei tua sombra
com sílabas de fumo
e ler-te-ei no escuro da noite.
Hei-de soletrar-te à luz de um verso
que alumiará tua casa;
tua casa, que de repente
ficou sem lembranças, como que detida
a meio de um abraço.

O ar estremece ainda
com o barulho de portas que se abrem,
tal como os móveis também estremeciam,
sem nós repararmos,
ao ver, cada tarde, que regressávamos do mundo.

Esses móveis que agora, à luz de um verso,
nos esperam ainda talvez
com a mesma impaciência com que os mortos esperam
que alguém feche a noite 
de seus olhos sem ninguém.

***

(Pedro A. González Moreno)

Que ninguém toque no mar, ninguém toque
a carne das ondas,
que é carne da minha carne. Ninguém
toque a pele sagrada da espuma
porque dela teço, sem pressa, meu sudário.

Põe-se o sal em pé tal como um homem
que me recebe
com seu abraço de algas: a amante
sou do mar, a que
nunca verá na areia o sol a pôr-se.

Que ninguém pise a água, flor de minha saliva,
metal do sonho verde dos náufragos.
Ninguém beba a transparência
porque de minha boca estará bebendo
o veneno escuro da sede.

Que ninguém toque no pão
salgado do meu corpo, que apenas será
o alimento da água.

Sou a amante do mar, a que jamais
confunde o amor com a carícia.

***

(Pablo Neruda)

Gosto quando te calas e ficas como ausente,
e ouves-me de muito longe e minha voz não te chega.
Como se os olhos te voassem e um beijo
por exemplo te fechasse a boca.

Como as coisas estão cheias da minh’alma
tu ergues-te das coisas, cheia da alma minha.
Borboleta de sonho, parecida com a minh’alma
e também com a palavra melancolia;

Gosto quando te calas e ficas como distante,
assim como a queixar-te, borboleta arrulhando.
E ouves-me de muito longe e minha voz não te alcança:
deixa-me só calar no meio do teu silêncio.

Deixa-me também falar com teu silêncio
claro como lâmpada, simples como anel.
Tu és como a noite, silente e estrelada,
teu silêncio de estrela, tão distante e singelo.

Gosto quando te calas e ficas como ausente,
distante e dolorosa como se estivesses morta.
Uma palavra, então, e um sorriso bastam,
e eu fico alegre, alegre por não ser verdade.

***

(Valeria Pariso)


Pouco a pouco fomos descobrindo
como se põe sal por cima do silêncio
e água por trás das palavras.

E preferimos calar para dizer a ausência.
E preferimos dizer para temperar a calma.

Mas o amor.
O amor cru.

E já não soubemos que fazer
com o deserto,
com os sinais,
com a sede.

***

(Teresa Calderón)

1.
Eu tinha visto seus olhos nos teus que não me olham e morrem por vê-la.


2.
Era uma falha definitiva. Num bolso de segredos um nome de mulher a tua letra um número a prova final na estrutura mítica do herói – consultar Villegas, Juan – no bolso essa mulher esse corpo dos teus delitos.

3.
Amanhã marcarei esse número. Repetindo a operação até dar com essa pombinha. Penso dizer-lhe menos coisas do que aquelas que penso. Mas a ti aviso-te havemos de encontrar-nos os três e seja o que for aqui te prometo vai haver um morto vais ter meu querido um morto na família.

4.
Como vês ou como não vês estou pendente de ti. Estou cheia de ti.

5.
Agucei o olfacto para farejá-la melhor nas tuas camisas no jardim do teu peito. Se visses a subtileza do meu ouvido colado às portas que espectáculo magnífico e o olho na fechadura como o náufrago em sua tábua e o mar todo só para ele.

6.
Os meus sentidos alerta podem reconhecer-te à distância de metros com uma névoa de cinema em pleno centro de Santiago ao meio-dia no meio da multidão. Todos os meus sentidos alerta. Digo, todos menos o sentido de humor.

7.
Cuidado comigo, maldito, porque te amo.

8.
É melhor acautelares-te. Sabes uma queda no banho essas são quedas fatais entendes-me um remédio a mais ou por engano estás a ver um acidente doméstico quem quer tem estás a arranjar uma tomada eléctrica e oh, surpresa, Fiat Lux! compreendes ou a faca de cozinha arrumada dentro da cama ou então o gás lento mas seguro como sabes. Por isso cuidado que te encontre confessado oleado e sacramentado caso eu te descubra amantíssimo herói.

9.
Afago-te arranho-te com táctica felina porque me estás a mentir porque sei tudo eu te juro embora não digas nem pio.

10.
Levaria a noite toda a contar os espantos que te daria caso se confirmassem as minhas – na tua miserável opinião – infundadas suspeitas. Não fazes ideia dos horrores de que sou capaz, vida minha, as mezinhas sem conta que arranjaria na cozinha até acertar na poção para te pôr fora de combate.

11.
Nesta guerra sangrenta a matemática está do teu lado, porque eu sou uma e uma é nenhuma. Perante isso, eu deveria talvez depor as armas e despedir-me com os melhores votos, sede muito felizes, um raio que vos parta. Oxalá vos visite a cegonha periodicamente carregada de feitiços, que não faltem no himeneu as rainhas da morte, as parcas das infalíveis tesouras. Oh, Mnémesis, deusa fantástica da vingança!

***

(Jorge Riechman)

Leito Vazio 

1. 
Falo de um tempo de raiva
em que todos os rostos se fizeram pedra
polida impenetrável, com corvos ávidos de fogo
a fustigarem o sol.

Busquei-te detrás de todas as portas condenadas,
em lixeiras, em barrancos secos, em matadouros fechados,
em estações vazias. Tinha perdido
a força da memória e do futuro.
Buscava-te com paus aguçados, com dentes
e costelas de cadáveres, com raiva e
com exaltação e ferrugem.
Falo de um tempo em que te havia perdido
e não restava nada...

2.
Desde que te perdi
perdi meu corpo.

Viajeiro de um tempo
sem dimensão.

Sozinho me trato com árvores invictas.

Amontoo
as manhãs ceifadas ao pé do teu leito
vazio.

***

(Chantal Maillar)

Andava pelas costas da tua mão, confiada,
como quem anda nos montes
seguro de que o vento existe,
de que a terra está firme,
da repetição eterna das coisas.
Mas de repente o universo tremeu:
levaste a mão aos lábios
e bocejando abriste a noite
como uma gruta cálida.

Levavas dez mil séculos despertando
e o fogo ardia impaciente na tua boca.

***

(Juan Gelman)

não é para ficar em casa que fazemos uma casa
não é para ficar no amor que amamos
e não morremos para morrer
temos sede e
paciências de animal.

***

28.01.2016

Dissipar as palavras que não chegam
Aos tímpanos
Aquelas cuja mulher esqueceu ao fogo
Um derretimento - 
As mãos irremediavelmente sujas
Pelo líquido da palavra
Os dedos buscando a boca os caminhos óbvios pontes do impossível.
Expelir um caldo como se a morte tivesse chegado mansa
A palavra disforme e rejeitada.

28.01.2016

Uma floresta
Dorme violentamente através de incêndios e animais emudecidos.
Uma mulher
Está violentamente acordada na 
Ausência de fôlego desses animais. 
A chuva 
Brilha violentamente nos dedos dessa mulher.

24.01.2016

Eu não descubro as palavras
Andando sobre o desconforto
Com os pés lavados e nus
A pontiaguda palavra e sua
Pálida cor de natureza morta
Meus pés indianos treinados 
A responder recusas imaginárias
Os nervos das palavras expostos
Texturas magoadas a pele congelada
Essas rachaduras invisíveis anúncio
Acidente calor e silêncio.

22.01.2016

A ranhura na esfera do sonho era a história da tua mão sobre mim. Durante a noite abro a carne buscando o nervo inflamado - dedos de te buscarem - derramo nos lençóis os segredos que eu nunca quis ouvir - a tua língua me pressionando para lugares escuros - lá onde os pássaros choram as saudades - você me tinha no abraço - lá onde toda ave me odeia e eu sempre finjo que a saudade não é o que encontro quando me toco.

20.01.2016

A tristeza esconde as palavras pelo corpo como fazem as mulheres dos presidiários com seus objetos pretensiosos de fuga.

20.01.2016

Um origami violento, a voar como se pássaro fosse - o manejo do meu corpo refletido - as tuas mãos tão violentas quanto um pássaro assustado - papel de não escrever poema.

18.01.2016

As líquidas letras do teu corpo arranjando histórias de leituras impossíveis aqui dentro.

18.01.2016

Há um barulho no fundo da palavra, há um relógio agressivo atrás fala, há um passado fervendo, prestes a derramar, como se fosse um alimento morno. Há um barulho embrulhando a palavra.

17.01.2016

A palavra se equilibra no seu silêncio correspondente, como uma ponte imaginaria pela qual ela andasse -arquitetura de asa quebrada, o que transporta o signo é o fracasso - os dias fazem longas filas nos precipícios, sem audácia, mastigamos amorosamente os segredos até que o estômago esconda tanta fraqueza do olhar do resto do mundo.

15.01.2016

Não há descanso onde respira a palavra.
Os dedos apontam em toda extensão
A plasticidade de uma fantasia de fuga.
O líquido do corpo para sem entender
o caminho, não há luz que entre pela boca,
ou ânus, ou janelas falsas de um mundo
sem paredes, os confins sempre no diâmetro
do homem, sua vida sem saltos ou voos,
ou pássaros que escondem as palavras no
bico para larga-las do alto
da solidão,
da noite,
do alto da distância que é
voar,
cair,
andar com os pés
inchados de tédio,
o coração torcido
encharcado:
a pneumonia no lugar errado,
no lugar sanguíneo.
O corpo conta o desvio da palavra.

12.01.2016

Alguém me desligou com o mesmo gesto silencioso
Da mão que se desfaz da luz tocando sutilmente 
O interruptor do quarto, na hora de dormir. 
As velas foram insuficientes para iluminar minhas 
Histórias de terror quando o sono era 
Uma perigosa travessia e pedia sempre que eu 
Me atirasse das pontes, e o silêncio do sonho era
Uma intransponível película que me afastava
Dessa mão sonolenta e cruel.

10.01.2016

Tem um silêncio dentro da minha boca.

10.01.2016

Essa máquina de fazer palavras - o coração - cuja boca nunca foi feita para - dizê-las e repeti-las, no entanto diz como se conseguisse.

09.01.2016

Palavras são como pássaros voando baixo.

07.01.2016

Palavras são evidências de caminhos: trilhas povoadas de bruxas e pássaros, - o farelo do pão na boca dissolvendo o norte de cada criança - uma trilha esmigalhada para pisarmos sem que saibamos - o quê? - qualquer coisa sob a pele.

04.01.2016

A noite fala sobre arritmias naquilo que chamamos de peito, e sobre pensamentos que incham inflamados, e também sobre poesias retentoras de todos os líquidos, a noite fala sobre um processo de decomposição de sonhos e respira mal como um fumante passivo respira, somos obrigados a ouvir um bombeamento quando o sinal humano já vai longe demais de onde dormimos: a noite fala sobre a circulação do sangue como toda ferida em segredo: dormimos como se fosse tudo um sonho.

02.01.2016

Engasga com um verbo chamado fala: não somos metáforas de objetos desconhecidos: há no fundo do corpo um leito de palavras e há no fundo da palavra um pêndulo feito de corpo.

02.01.2016

Espalham as palavras no leito do oceano: a respiração dissipa sonhos como quem esquece. Durante a noite o mar é um manto feito de psicose e pele humana: estamos encharcados, abertos como a paisagem marinha.

01.01.2016

Quando chove atrás das palavras e não sabemos por onde elas crescem: estes signos também são contusões esperando a cura.

01.01.2016

O tendão estendido ao suavíssimo toque
treme sua incapacidade de ser mais vasto
que o tamanho da própria carne. 
A insanidade é um par de mãos com discreto
acesso ao meu corpo.

01.01.2016

A confusão de saber-se humana
e deitar o pensamento sob todos os buracos
buscar as impressões das palavras
como substituto de carne - cozida em altíssima
temperatura - de hora em hora
deságuo sonhos através do glóbulo ocular
esse estranho nó como farpas nos arames 
como dobradiças perigosas como aberturas ao
escuro, o espírito é uma criança perdida no corpo.


Não vou longe, esse alcoolismo mental já dá cabo
das pernas, e da quietude coronária.
Preciso dormir entre punhados de algodão
entre tudo aquilo que recolhe lágrimas
talvez dormir também seja uma doença que 
se aproxima disfarçada de poesia e necessidade.

Comem as voltas da minha cabeça, esses pequenos
e não catalogados vermes - o algodão ficaria vermelho
tão alta a temperatura tão longe a criança perdida 
não vejo como ir mais longe que isso quando isso é
viver e não poder repartir a fragilidade como 
pão nosso de cada dia e sequer poder engoli-la 
na intenção de digerir todo verme todo vermelho todo luto
o sono inclusive.

01.01.2016

Cobertores de mágoas para os trinta e sete graus do inverno. Meus ossos escorriam suores: bombas de efeito paranoide. Essa noite colocarei portas na minha vida: trancadas e alheias. Um denso cheiro de urina permanecerá na sala: em cada canto um silêncio. Odores rancorosos. Oficina de palavras autômatas: oxido choros, sardas na maçã do rosto: um boi marcado esperando em estado meditativo o movimento que o separará de seus ossos: murchos, dormentes: respirando segredos na noite: cego para a manada. A carne: essa oficina de mim mesma, esperando o momento exato em que a noite chegará mais perto - ninguém sabe a cor do olho de deus - afastando o inverno, esses trinta e sete graus de desejos partidos como lábios queimados - a cor magoada do meu olho - meus ossos chorando.

01.01.2016

O silêncio tem compridas unhas e é 
um destruidor de tecido humano: 
as costas dos homens e as bocas cheias 
de distância são vítimas de mãos nervosas
e tristes.

A noite expele suas pedras nos rins dos magoados.

Segredo é aquilo que não se pode dizer nem a si mesmo,
porque não existe a boca, nem o verbo, ou sequer 
a dignidade.

O corpo protege a mentira quando a fantasia
é um arbusto desregulado nas arestas
e nas raízes.

A palavra enterra o sonho
com suas paredes de concreto
e suas frígidas dobraduras.

Pontes cheirando a álcool 
incêndios, copos vazios,
o delírio cujo rosto nunca aparece 
na imagem que o espelho devolve.

01.01.2016

Sobre as palavras que respiram no fundo do oceano. 
Sobre túneis de luz na escuridão das águas.
Sobre algas esquecidas a queimar os pulmões dos segredos.
Os sonhos incertos e solitários como as ondas do mar, poluídos e violentos.
Há que se buscar grutas sagradas por onde águas não salguem as feridas.
Os braços fraturados pela dureza das palavras.
Descansar, como corpos que se perderam na ausência dos horizontes: uma cegueira marinha.

01.01.2016

O silêncio anestesia o corpo
como a preparação de uma
cirurgia na base dos sonhos
quando suturas insuficientes
se rompem no escuro dos vasos
e também no escuro dos versos. 
Mas eu procuro a palavra presa
dentro de todos os silêncios como 
uma pedra a machucar o leito do rio
e encharca-lo com desastres e 
durezas: o silêncio é como 
uma pedra dentro da boca.

01.01.2016

Seja o acesso existente ainda que impedido.
Esteja com as mãos na testa da loucura a verificar a temperatura dos
sonhos.
Adiante-se ao trágico movimento: aquele cuja faca amputa o desejo,
esteja ao dispor da morte e da fala e
toque com os dedos a melancolia
de não haver mais palavras
as quais lançar ao poema:
morra aqui ao lado, quando o corpo 
acabar no exato final do verso.
Ao lado entretanto, onde se possa imaginar um lampejo de resposta.

01.01.2016

Ao passo que o sonho dorme dentro da palavra não deixe que de mim a boca se perca - na mágoa de nunca poder se dizer sem mentir e principalmente na mágoa de crer que o sonho dorme dentro da palavra.

01.01.2016

Há uma pedra-palavra atirada contra o vidro do peito.

01.01.2016

Asfixia
é o nome do poema
quando não se pode abrir corpos
com mãos, dedos, noite
e esperar que eles se carreguem
de luz ou de
oceanos
ou ainda
segredos estilhaçados na memória.


Asfixia é o nome da palavra
quando ela serve como acusação
daquilo que não pode acontecer entre
as sílabas, mas encontra um esconderijo
no corpo que nunca se abre.
O coração em silêncio cai
no vão dos ossos
como um pequeno suicídio
no escuro.

01.01.2016

A carne do peito está inchada
de silêncio
como um tornozelo torcido
para o lado do descaminho.
A medicina do tempo sopra
a solidão das feridas e
não tem por efeito a cura mas
uma paleta melancólica de
hematomas identitários.

01.01.2016

Há por dentro do corpo qualquer coisa sobre crendices
Como um copo quebrado e seus cacos espalhados nos cantos dos ossos
E seu método espanta-espírito no que diz respeito ao tremor que é
Viver. 
Há por dentro qualquer coisa como uma brincadeira infantil de cabra-cega
Como um rodopiar onde a felicidade se confunde tanto que se torna
Tão indistinguível quanto espancada e viver também é cegueira e 
Náusea. 
Há entre um lábio e outro qualquer espaço que se desenterre uma palavra
As mágoas em conserva no armário da cozinha, o rádio baixo anunciando uma terceira
Guerra, uma sétima luz a desfocar a vista, uma cachoeira de sub-objetos reluzindo 
Íris-identitária, fantasmas feitos de pele é que o somos, cobertos de corpo, o nosso próprio.
Há qualquer coisa como um copo quebrado por um cego e 
o barulho conservador do incidente é o fim da experiência. 
Oremos; desenterrem as palavras, os poemas – vamos dormir, oremos antes de dormir, desenterrem o espírito desta terra, a terra que é o corpo.

01.01.2016

Canta-se silêncio embaixo das palavras. Conta-se pérolas de terços pérolas de colares maternos pérolas oceânicas e os números multiplicam-se sem um único respiro de descanso, infinita queda de pérolas de um colar rompido. Canta-se um distante pássaro porque você nunca vê a cor que encharca as penas das asas as penas de ser tão longe as penas espalhadas como um animal que briga. Conta-se mitologias diversas nas camas dos filhos e conta-se sonhos que se multiplicam sem que suas asas tenham se encharcado de cura de sono de recolhimento a vida é palmas que empurram as costas na beira sem penas ou pássaros cores pérolas animais que sonham.

01.01.2016

Entre o sono e a luz existe uma curva de acidentes. Somos corpos cujas fraturas expostas vazam silêncio em suas arestas ósseas duras magoadas. Vamos ao lado oposto do barulho - lâmpadas quebradas luzes escorrendo entre fissuras - todo buraco guarda segredos essas cicatrizes de bordas submissas estetizadas cotidianas estupidez e morte. Nossa vida se dá em escuridão de túneis - a respiração pós trauma pós choque pós estar cego e aquecido de sangue este respiro de entupir coração - toda sorte de não haver tradução para esta luz quebrada.