domingo, 22 de maio de 2016

22.05.2016

Feche a boca, pássaro gordo. Tua mãe era uma benzedeira de estupros, estou magoada como uma enorme cidade num black out. Faz um tempo o céu é um espelho desses prédios destruídos, há um complexo origami da injustiça voando sob a cama, pássaro mudo tu é um móbile diabólico, a andorinha no meu pescoço oxidou depois do sétimo pesadelo, fecha a boca, o silêncio não é um gesto.

22.05.2016

Você que brinca de alucinação, você que com dedos cirúrgicos me empurra para dentro de um corte, amanhã eu não estarei coberta de lucidez, como durante a infância, como almoçando, como separando meus livros para a escola, como pintando aqueles desenhos, amanhã eu estarei no centro de uma violência plástica, veja bem, teu soco alucinógeno erra meus olhos, veja bem, faz dias que te vomito, respiro tão fundo que meus ossos são varridos para lugares estrangeiros, teu abraço alucinógeno me toca como se os poemas estivessem sido engolidos, você, você, você, uma palavra psicótica comprida demais, eu tão pequena, eu tão esmagada pela respiração de uma população de sete bilhões, de mais duzentos e setenta e cinco bilhões de mortos, outros que ainda não vieram, igualmente alucinógenos, eu tão alheia a ideia de que era tudo uma brincadeira, de que não havia sete bilhões, não havia mortos, não havia poemas.

22.05.2016

Recuos, esquivas, tua xícara de café cheia de areia. A manhã rebentava as janelas da tua memória, enquanto andava eu ia pisando em cima dos mortos, enquanto andava eu as palavras pingavam do meu queixo, caiam nesses corpos entupidos de indiferença. Amanhã será um lindo dia. Amanhã minha vó morta falará comigo porque ela pode. Destruíram uma casa enquanto as notas de piano resistiam como baratas resistentes, o som se escondia embaixo dos escombros, mas estava lá, era só encostar os ouvidos-de-ouvir-rejeições, e as notas vibravam como o pênis excitado através das pedras, através dos corpos, através das coisas todas que pudessem ser arrebentadas. Amanhã será a primeira linha de uma carta que te amaldiçoa. Recuei tanto, bebi tanto, agora preciso encontrar a náusea estimulando tudo artificialmente como bulímicas, sartre que me perdoe, a tropa toda que me desculpe, amanhã os pássaros esmagados voarão com igual indiferença, como se estivessem gordos e ainda sangrando.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

18.05.2016

Rala teus joelhos em ruas desertas, emite sons irreconhecíveis com a voz quebradiça, os teus semelhantes escaparam de quinze terremotos, bastou um para que todo teu corpo se desfizesse em pedaços de - poemas - feridas absurdamente silenciosas, quebra teu fêmur numa rua deserta, onde antes respirava com os pulmões expostos em fatias, as lâminas iluminavam toda intenção, e teus joelhos faziam sentido.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

05.05.2016

Essas imagens in-memorian explodem nas articulações do corpo como que perdidas e drogadas, como que pedindo socorro há quem quer que tenha uma face, essas imagens repetem a demência do amor, in memorian elas esmagam violentamente todas as nascentes desse teu corpo úmido, essas imagens são o teu corpo in memorian de toda carne maciça, impossível e descansada para o pensamento, essas imagens vem de tão longe, do fígado, talvez outros caminhos menos uterinos e mais anais, mais ferventes, talvez tudo que você ejete raivosamente, essas imagens in-curso-de-desespero talvez sejam silenciosas demais para uma conversa com deus, quando ele talha gritos pela pele, e todo poema é in memorian esse caminho devastado e destruído onde antes tudo era gentileza sonho luzes confusão felicidade.

05.05.2016

Este silêncio é translúcido, líquido em mãos trêmulas, o coração é um rosto tenso pelas contraturas, todo espelho é uma avalanche de sonhos igualmente líquidos, igualmente fulminantes, mais um nó no teu rosto cinza, mais uma deformidade poética, havia vinte e sete espécies de amargura embaixo da tua língua, todos os músculos do teu corpo inchando de palavras, e na boca a palavra era um lodo incomunicável, era um discurso pós-morte - agora e na hora delirante, o silêncio te persegue e ele tem a face de todas as coisas deste mundo.