domingo, 27 de setembro de 2015

27.09.2015

A noite cresce
como os cabelos
das meninas
abandonadas
sem haver quem os toque
sem haver quem as livre
das tranças apertadas
quando a noite berra
a fingida morte
e as acusa de palavras ocas

Fios gordurosos
Entopem os corações
como se fossem ralos

Os cabelos das meninas
Compõe um terço cujas contas
florescem em seus pescoço
como rezas de enforcamento.

27.09.2015

Os órgãos
se recolhem ao som
do poema

O tecido
aperta contra si a ideia
identitária e chora
no vão dos ossos

A melancolia penteia meus cabelos aos domingos.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

25.09.2015

Nenhuma palavra
ultrapassa o corpo
sem respirar fundo
as fissuras.

Nenhum dizer
repara o quebradiço
significado.

Ainda assim
mordemos
as sílabas
e às vezes as línguas
como encarcerados
mordem as toalhas
na hora violenta.

Esse lábio alheio
Essa voz fumaça

Vocábulo esquecido
Expressivo canto -
o desespero -
comprimido na cicatriz
das bocas, fissuras
abraçadas.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

24.09.2015

Strawberry fields
e cabeças rolarão

dos prédios
onde os corpos
choram sozinhos
sem rostos

nas alturas
strawberry fields e
um cigarro na janela

dissipa a queda
das cabeças como se fossem
fumaça

terça-feira, 22 de setembro de 2015

22.09.2015

Choramos uma garrafa inteira
de vodka,
a nossa primeira vez.

Somos feitos de manchas
reflexos alcoolizados:
'me olhe' era eternamente
recusado.

Havia mais silêncio
do que a noite podia suportar.

Um intruso apagando as luzes da casa,
como se fosse
uma gentileza.

22.09.2015

Terrorismo

o das tuas mãos
na minha memória.

Não te escrevo mais:

caligrafia da
destruição.

Rompe o ventrículo com o silêncio.

A cama era uma
fantasia de palavras

Morre no meu lábio:
fechado.

22.09.2015

O diagnóstico da asa delicada das
borboletas que em seus fracos morrem
e entopem os vidros de vermelho.
Há uma espessa camada de melancolia
na folha vazia e na boca calada.
O amor escorre lento quando é quebrado
o vidro, como se fosse pedaços pontiagudos
de silêncio a desatar nós dos pulsos, apertados.
O coração escorre lento como um suspense
interminável, quando, na melancolia,
mancha de vermelho a boca, a folha, e
os pedaços pontiagudos que permanecem.

22.09.2015

O fim da palavra faz a flor azeda
Limite linguístico do apaixonado
O derretimento da fala e também
Um pássaro que voa,
Para dentro da garganta, procura
o caminho da distância, a lâmina
do sentido: traqueostomia de desespero
os buracos por onde fogem as palavras
seguem ocos, as sementes agressivas
brotam em velocidade e mentiras:
o pássaro quando morre, cai.

domingo, 13 de setembro de 2015

13.09.2015

Ainda não me calo com a boca enjoando palavras. Inúteis as lágrimas, teus olhos, uma pupila dilatada: a porta da sacada corre no trilho e bate: o suicídio fica do lado de fora do apartamento: no tapete a mancha minúscula: você me derramou no chão da sala. O vapor do banho escreve sozinho poemas trágicos nos azulejos: um nome no espelho quebrado: apenas o que é refletido, apenas o reflexo como engano, apenas o nome desaparecendo, As grades do teu apartamento imitando paredes: brancas como a loucura do dia, como a terrível meticulosidade do cotidiano, impiedoso nos detalhes, sarcástico, feroz, impaciente, a insanidade piscando como a luz queimada da cozinha: acende, acende, mais um pouco, por mais tempo. Ainda não me calo e tuas mãos apertam meus seios como se me empurrasse em um precipício: que me aperte já é o bastante para que a palavra asfixie. A cidade venta como uma mãe que sopra um machucado.

13.09.2015

Gosto de gente que traz a noite como uma semente agressiva no peito, que não sorri depois de dizer algo sério, cujo silêncio é mais denso que a palavra. Gosto quando a enchente baixa o nível de água, quando dá o último respiro, e mostra, com umidade excessiva, séries de desilusões no solo. Eu não nasci para florescer. Gosto quando uma noite se abre dentro da noite, como uma realidade oblíqua e ao contrário do que pensam, odeio olhar dissimulado. Eu ouvi quando uma gaivota chorou baixinho na madrugada. Podia-se pensar naquele ruído triste como a anunciação dos fracassos e os joelhos trincando eram filhos de novas enchentes, mentiras, afetos, travessias confusas: gosto de gente que não dorme porque sonha.

13.09.2015

Nervo aberto, tumor na carne do almoço: como o meio dia brilha: meu livro de folha rasgada onde acontece o que é importante. A neve sempre afunda debaixo dos sapatos. Nunca vou deixar de ferir meus lábios. As gavetas da casa dos mortos não fecham direito. Tenho um inconsciente dilacerado por um liquidificador: desordem líquida. A saudade chega em jorros. a anestesia não evita que o corpo mergulhe em si. Minhas artérias amarradas com nós cegos, estúpidos, tristes. A memória acerta as paredes do coração: o passado é um nervo aberto na mesa do jantar.

13.09.2015

Acho violento que o tempo nunca espere, acho meio humilhante que a saudade fique ereta por tanto tempo, meio confuso que a memória minta tanto. Tenho dores nas ancas, estilhaços de ti, uma violência de outra espécie, acima do poder do Estado, exatamente acima do que considero divisões de amor, poder, possessão: teus dedos violentos. Tenho lembranças perdidas pelo corpo: não unem uma única dignidade de coisa que aconteceu mas são como hematomas que enfatizam em letras roxas a fragilidade da minha condição mental de mulher oca, da minha condição física de mulher perturbada, da minha condição de fios de luz sem proteção. Acho violento que as palavras não parem de sair da boca, assim como movimentos de: viver. Acho violento que o viver se dê em palavras. 

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

08.09.2015

Tem uma palavra alojada no fígado, incômoda, resquício de violência: inutilidade poética pós-desastre: não cirúrgica, não vomitável, não cagável. Existe uma palavra chamada 'si' alojada no interior dos intestinos agindo como se fossem lombrigas comedoras de sonhos, parasitas do fantasístico, dinamites de frustração. Tem um alojamento de palavras que dormem respirando pesado, cuja melanina é violentamente interrompida pela luz do dia, dos dias, das noites, o escuro, e também o que não é escuro. Tem uma cicatriz imitando um falso caminho no meu estômago: bulimia de palavras não ditas: compulsão de escrita pra perder peso: perder o peso: perder-se todo o peso e até o mínimo peso: tem uma bala alojada na garganta como refluxo de motivos pra chorar, como fala cíclica, como cirurgia fracassada: derramamento de palavra enfartada: coagulada: mentirosa. Existe um alojamento vazio, espaçoso, que se chama eu, e há alguém lá dentro, correndo solto na noite, mexendo em tudo: há uma metástase de mim no fígado, estômago, peito, coxas: o avc caminhou onde a mão do médico não toca: uma palavra incomunicável: a cabeça incha. 

08.09.2015

Mais uma mentira para que eu voe alto. A bailarina de plástico com azia, rodopia na música, desmaia ao término, a caixa de promessas que eu dou corda todo dia. A vodka derramada como lágrimas pela borda do copo, da boca, do olho: meu choro era alcoolizado, ele se repetia sem lembrar o começo, ele tinha a tua cara gravada em vinil: teu rosto sonoro, eu escutando vozes sem diagnóstico: eu com prontuário falsificando fraquezas, o porre inicia na sobriedade extrema, eu bebendo desculpas para morrer, baixando o volume tão lentamente, dando corda numa caixa de música arrebentada, engolindo teu rosto, a vodka, o choro, a azia voando alto: o poema cada vez mais baixo, o volume da palavra quase inaudível. 

07.09.2015

Não vou dizer nada, farei poemas cujas palavras se empilhem como mortos na guerra e os corpos já não significam nada individualmente, apenas números engordando a tragédia: minha boca mais cansada que prisioneiro em cárcere há décadas: a barba por fazer, a mesma camisa, os botões ninguém mais lembra de contar quantos são, estão faltando vários. Ninguém mais chora o crime, o tempo estica a desgraça até que ela desapareça dos olhos. O sol agride o olho: o cativeiro iluminado: as montanhas de palavras desperdiçadas na vala. Não vou dizer nada: ainda que o fuzil esteja mirando minha boca, a língua é estrangeira de todo modo, minha própria língua.

07,09,2015

Sequestro lápides de cemitério: sou cheia de fantasmas. Uso o reflexo para envermelhar a boca: avisar que dali vem o sangue, a palavra que corta, ou a palavra cortada que sangra, ou o sangue que é a palavra. Uso a boca pra mostrar que o fantasma também sofre, depois de morto, depois do sono envermelhado na boca, e te sugo até a última gota, atalho ereto até a solidão, tu desfaz os sonhos, descostura, derruba inconscientes e arquiteturas, estou vazia até os ossos que desmancharam na cova, não vou reerguer tutanos com o forte do verão desidratando pós-de-esqueleto, nem vou engordar nos lábios, inchar: o vermelho do deserto é opaco: as lápides refletem os erros que nos levaram pra morte, minha boca: sempre a minha boca: o sangue ou a palavra ou o tutano dos meus ossos desmanchados: ou o poema embaixo do sol no deserto, minha boca refletida no teu coração desidratado: vermelho opaco: sangrando até a última gota.

07.09.2015

Eu te via numa mesa distante e tudo era um nevoeiro como se a noite estivesse se abrindo dentro do bar e um carro verde estranho estava parado na frente, talvez dos anos 60, talvez um modelo que nunca existiu, talvez tão antigo quando nossa história, e talvez igualmente defeituoso. Tudo era um problema. Nascer, falar, viver os dias, coisas aconteciam como um copo que cai e nada muda seu trajeto: milagres não atingem as cozinhas na hora do jantar, são coisas mais para madrugadas, ou quem sabe as primeiras horas da manhã, os jantares são tão ordinários e o excesso de sal sempre tira a possibilidade de misericórdia divina. Eu te via distante, porém, eu te via. E parecia que você era um abraço. E parecia que tu mencionava o meu olhar o tempo todo. E parecia que você nunca tinha saído dali. LÂMINAS DE BARBEAR tão inocentes. Eu não quis te empurrar para fora da cena, eu apenas queria um pouco de silêncio, e tua morte foi tão limpa que eu sequer pude chorar. O único ruído foi da tua saliva engasgada na garganta, gargarejo, não era pra você sofrer, apenas apagar. As minhas mãos não tinham força contra você. Mas eu fechei teus olhos antes mesmo da tua morte, e tu mesmo já os mantinha fechado há anos, tantos anos, eu apenas larguei a mão cansada em cima do teu rosto, e pedi: morre ligeiro, é preciso, por favor, antes que alguém me veja. Nenhuma poesia saiu da tua boca. O meu olhar continuava especialmente tocante. Você continuava um abraço. Morre logo, já fechei os olhos.

07.09.2015

O cheiro do leite morno que bebi na tua casa, a iminência da idade avançada, navalhas reluzentes, no meu peito foi diluído o peso das coisas com água quente e talvez açúcar, talvez eu até tenha bebido, ou talvez tenha sido tequila, ou quem sabe algum veneno de rato igualmente dissolvido: até que se faça o efeito será impossível saber: as coisas são assim: até que se faça o efeito elas são a mesma coisa. O plano era te matar muito manso. O plano era te tirar o ar porque você não sabia o que fazer com o ar. Mas eu só ouvia ruídos de afogamento: você sempre se debatia, isso era você, um bicho perdido, um prestes-a-morrer-eternamente, você era um barulho chato avisando que tudo terminava. Era difícil. Eu não tinha força nas mãos para a grossura do teu pescoço: não tinha tamanho para a tua esmagadora existência, e nem por isso deixava de te tocar. A mão ardendo nas articulações e eu não podia desistir: tudo estava tão alheio à tragédia e qualquer deslocamento de cena seria como uma explosão fora do tempo cronometrado. Eu vou te matar manso, sem dor, ou sangue, ou apenas um filete mínimo que será o suficiente pra te escoar desse lugar que é você, e apenas por uma necessidade sentimental sem grandes comoções, eu vou te matar envolta em tule, algodões, chás alucinógenos, e sem gritos assustados, meus terrores noturnos já estão bem silenciosos, tem dias que não escrevo poemas, e também tem meses que planejo tua morte sem dores, sem sangue, sem cortes, nada que berre amor, apenas um cansaço que vai deixar a mão macia na hora de fazer você ir embora.