terça-feira, 31 de março de 2015

31.03.2015

A árvore perdeu o rumo do alto e agora cresce para tudo aquilo que for um canto do mundo onde possa se esconder. Seu casco desidratado transforma seu tronco em pedaços pequenos de farelo que não formam uma unidade. A função da terra era sempre cobrir suas raízes e uma vez expostas deixariam de ser raízes. A árvore ficava confusa. Com o outono que sempre vinha, nada a fazia sentir que era parte daquela floresta.

domingo, 29 de março de 2015

29.03.2015

Meu espírito vos fala de um além onde a morte se congela. Meu espírito vos fala de um lugar no qual o amor é uma fábula. Meu espírito vos fala de um lugar cuja cova se abre a partir de mim mesma. Meu espírito vos fala do próprio verbo morrer. 

27.03.2015

Roda-gigante dos meus medos. Eu no parque na hora errada. Eu no parque quando o vento sopra. Eu no parque de pés descalços. A roda não cessa o giro. A roda não cessa uma ciranda vertical do céu ao inferno. A roda é lenta e atrasa os medos inquietos em cada cadeira. Eu pulando do alto com meus medos. A tontura da xícara com o café borbulhante do meu cotidiano. A tontura da xícara que gira para eu não perceber o momento da queimadura. A cabeça que cai na alça da xícara do meu cotidiano, dopada de antidepressivo, queimada de café passado. Eu correndo de pés descalços na madrugada do parque vazio. Eu no carro que desfere os golpes dos meus sonhos não localizados. Eu recebendo o sangue na boca como quem recebe uma única coisa na boca na hora da fome. Eu ligada aos cabos de uma pane elétrica silenciosa que ilumina o acidente num disfarce de brincadeira, as risadas do meu corpo destroçado, as risadas das pessoas que já morreram destroçadas em outros carros em pane. Eu procurando quem desliga os brinquedos. Eu procurando a saída do parque. Eu encontrando apenas a entrada do parque. A montanha russa da roleta da máfia escondida no parque. A montanha para que eu erga como um atlas hipnótico no parque. A Rússia gelada da minha queda do alto. O pino da montanha russa sabotado. Eu caindo no barco de um pirata nojento e apaixonado. Eu sequestrada num barco sem mar. Eu enjoada pela falta de ondas do mar. Eu apaixonada pelo pirata sujo do barco. Eu correndo no parque, eu no palco do mágico. Eu saindo de uma cartola apertada, marcada na pele, amassada no peito. Eu girando a esperar as facas jogadas das mãos de um cretino com bandana dourada. Eu deitada esperando que me cortem ao meio. 

27.05.2015

Ao meu nascimento, no meio da sala, nasceu também uma árvore. Eu me escondia de todo branco na parede subindo num galho escuro. A terapêutica da felicidade era estéril e cínica. A paz era vulgar porque não era plantada, era artificialmente obtida, e eu não acreditava em paz fabricada de mundo pós moderno. Itens na lista como: nadar, meditar, amar, foder, comer, brincar. Era uma paz que era pega com as mãos e nunca tinha força de romper o casco que era a minha alma e por isso mesmo eu preferia receber socos na cara a uma mensagem de amor. Não é que os socos chegassem lá dentro, longe disso. Nem a mão que masturbava o mais fundo de minha vagina chegava a tal lugar. Ao menos, pensava eu, era um ato espelhado. Ao menos, era o simulacro de Platão. Ao menos eu podia encenar a verdade. Enfim, minha mãe chorava a cada raiz que transformava o brilho do parquê em fissuras e eu nunca entendia o que ela via nessa coisa plana, morta, organizada, limpa, estúpida. embotada, metalizada, algo como um tempo que não anda, tudo que ela buscava deixar intacto que eu buscava socar na boca do estômago. Isso me comia as tripas tão lentamente que eu achava que o tempo realmente tinha parado, porque ela evitava profundamente bagunçar as coisas e meu relógio era como as coisas se mexiam dentro de mim. Subi no galho. O prédio flutuava. Eu chorava a morte. Eu sabia que alguém importante havia morrido. Eu sabia que eu tinha matado todos dentro da minha cabeça. Que não restara um que me juntasse daquele galho e me contasse histórias pra eu dormir sem sonhar coisas ruins. Levo a mão ao galho que pende com um fruto pesado. Mordo na casca, meu choro escorre de dentro do fruto. Engulo com raiva. Cuspo o caroço no chão da sala. 

27.05.2015

Quando engravidei meu útero ao invés de inchar, murchou. A cada mês da gestação eu sentia esse receptáculo bizarro chupar-se mais para dentro de si. Um egocentrismo perverso, um desespero de quem não se conhece, não se sabe, e busca na última gota uma resposta. No ultrassom, a enfermeira me dizia: cadê seu útero, senhora? Sua gravidez é ectópica, mas cadê seus ovários? Que óvulos a senhora fecundou nessa escuridão feminina de sua barriga? Eu chorei muito. Nos enjoos entre os restos alimentares encontrava pernas, braços, o pênis - era um menino! - e entendia que estava ejetando aquilo que ainda não estava pronto. O médico veio falar comigo: o que é que a senhora pretende colocando um filho nessas condições no mundo? A essa altura, eu apenas chorava. As palavras não expeliam de mim mais nada, porque um bebê mal formado sempre pulava da minha boca quando eu pensava que deveria dizer algo. Era tão injusto. Eu sequer era uma mulher. Eu sequer confiava no meu aparelho reprodutor porque ele não tinha a ver com o amor. Eu entendia que as trompas de falópio não eram caminhos de ternura, que a minha vagina não era uma porta amorosa para qualquer coisa que fosse o meu coração. E no entanto, estava lá, a expelir crianças magoadas, a expelir histórias desenganadas, destinos destruídos. Escrevi num papel ao Dr.: Interrompa! Ele riu e disse: mas interromper o quê, minha senhora? Nem útero você tem!. Eu estava apavorada porque o parto era marcado para a semana seguinte, e o sexo que gerou essa criatura era uma anti-penetração, era algo que não guarda o pênis dentro, mas o cospe fora num movimento de erotismo sangrado, era o revés de uma semente plantada, uma árvore de ponta cabeça, o avesso do meu coração.

27.03.2015

Segurei meu umbigo na mão, o punho fechado e a correria para dentro da floresta. O arco-íris em preto e branco marcava no céu de qual lado do mundo eu deveria estar. Nasci em meio a fuligem. No parto eu escorria um líquido escuro tal como um filme noir o faria e o médico sorrindo porque a felicidade não era discutível. Corri mais ao fundo da floresta. Corri com força para o fundo da floresta. A enfermeira matou uma mosca nesse umbigo. A enfermeira matou com um bisturi a mosca pousada no meu umbigo. A enfermeira matou com um bisturi a mosca que comia meu umbigo. A enfermeira cravou o bisturi no meu umbigo. A mãe abraçava o choro do recém-nascido: a boa nova da saúde. O tapa irônico da vida nas mãos enluvadas do médico. A mão distante de mim. O tapa cada vez mais perto de mim. Eu corri para a floresta e os sangues vertiam das árvores enquanto eu apertava na mão meu próprio umbigo. Cheguei ao centro. Cheguei ao meridiano que dividia minha vida entre o bem e o mal cristão inventado. Apertei tanto a mão que não sentia mais nada tocando a pele. Abri e realmente: não havia nada além de suor.

27.03.2015

Baços não servem para nada. Meus pés estão plantados até os joelhos no quintal da casa abandonada e eu não cresço. O céu nunca me atraiu. Nada vazio me atrai. Quem gosta de coisas que brilham só por que brilham que não possa ser comparada a uma criança? Estrelas não me convencem, não rezo pai nosso desde a minha infância e também nunca pedi nada porque nunca soube o que é que consertaria essa bagunça. E o ar penetra a garganta involuntariamente como um estupro delicado. Desde que parei de rezar o pai nosso não acredito que Deus seja uma coisa amorosa, mas se alguém podia construir algo do tamanho do mundo era alguém que continha uma violência descarada e estúpida e ter nos dado um lugar não era um ato de bondade, porque até o Diabo nos guardava o inferno e não nos perguntava sobre nosso gosto individual. Enfim, o céu tinha esse caráter de entrar e inchar nos meus pulmões e só porque era transparente não significava ser delicado, isso era propositalmente condicionado a rasgar meu peito sem que se visse o ato. A terra me continha. A cova me guardava. O túmulo me protegia da vida. Era um cuidar materno na noite febril, a terra pesando nos seios como compressas amorosas, o morno amor da cura, o morno amor da lentidão, o silêncio que me permitia o choro, e o choro era mais poderoso que o céu.

27.03.2015

Bato a porta do quarto e vomito. Não há quem segure meus cabelos para esse ato de violência passar com ternura. Tenho tanto ódio de mim que esfrego meus cabelos nesse vômito. Não há outro motivo para a violência que não seja ser acertada na cara. Enfio o dedo na goela mais quinze vezes. A minha dor tem um erotismo vazio. O que ela faz no meu corpo é um sexo com o desconhecido. A impessoalidade está no meu vômito. Tranco a porta. Minha patologia me contará segredos toda quarta-feira a noite. Minhas lágrimas vazaram para o estômago. Suco gástrico da bulimia. Suco choroso do meu estômago. Ciclo da alimentação da minha dor. Eu desnutrida. Estou des-histórica. Guardo pouco e ainda devolvo. No ultrassom o feto foi visto no estômago. Fugiu da minha condição de mulher de quadril largo. Fugiu da minha condição materna. Fugiu das palavras sem sentido. Fugiu deste escrito. 

27.03.2015

Sou pedaços que não formam uma pessoa inteira. Fragmentos fugitivos. Sou o pão esmigalhado no caminho e sempre prestes a estar na boca do pássaro, enganado de sua função, esquecido do seu destino. Sou uma dúvida vulgar sobre ser fruta ou planta, ter suco ou raiz, nutrir ou respirar. Não entendo onde está o meu coração, se enjaulado na terra, ou asfixiado no ar rarefeito da cúpula. Fiquei paralisada no tronco da árvore, recolhida no caroço da fruta, esfiapada nos caminhos da raiz. Não sei me unir. Não sei me encontrar. Não sei existir. 

27.03.2015

Eu cavo mais fundo até que encontre a terra doce que me substitua o asfixiamento pelo gosto da nutrição. Não espero de nenhuma árvore um abraço. Quem faz movimentos aqui tem por nome carnívoro. Observo minhas fissuras escorrerem vermelhas humilhações. Sou uma planta que dorme. Durmo mais uma vez sem nunca ter acordado. E durmo ainda outra vez sem sequer ter me despertado uma única vez na vida. E durmo todos os degraus de minha vida frágil de caule fino e úmido. Há um canto que surge toda noite quando o relógio da natureza bate quatro da manhã onde a hora não faz sentido. Escuto e olho para trás. Reflexo enganoso de minha folhagem que inclina-se onde o sol bate. Quero fugir, quero saber o que me cantam. Dormirei mais um degrau, até que a escada me deixe na frente de uma caixa de música. Abrirei. O som me dirá uma coisa importante, então cessará. Sempre choro com caixinhas de música.

27.03.2015

Eu tenho cheiro de mim. Uma planta inédita na solidão da floresta. Regada pelo sangues dos animais que dormem ao meu lado, que penetravam a terra sem perguntar se a raiz afogava ou bebia. Crescia com o orvalho da noite, alcançava os pinheiros, temia os vastos campos que o olhar abraçava. Pendia ao que o sol a tocasse, era uma vadia delicada da noite, caía mil metros por segundo e voltava ao escuro guardado pelo excesso de crescimento das árvores. Porque sempre caía sua raiz chorava. Porque sempre crescia tinha esperança. 

quarta-feira, 25 de março de 2015

25.03.2015

Enquanto eu cortava minha orelhazinha e te oferecia na sopa você bem que me fodia o rabo com gosto e tomava a merda da sopa como se fosse uma canja e putamerda, deu tudo errado. Daí eu começo a escrever ridículo porque a raiva não passa com escritinho sublimado e eu tinha mesmo que ir lá e dar um beliscão em alguém e na mesma hora desandar a chorar porque quem belisca é criança e geralmente não machuca nada. Daí eu evoco o satã porque eu não quero que a raiva passe, eu quero é a destruição, e porque quando a raiva passa não é como se você pudesse se renovar em batismo numa igreja de jeová e se limpar porque a alma não é cu pra se renovar a cada cagada. Eu queria andar descalça na noite, na rua noturna e deserta. E seria uma estrada sem amanhecer, e eu ficaria guardada no gelado, no fresco, no aberto.

25.03.2015

O bom do fundo do poço é que como não tem luz lá dentro ninguém vê que você tá fodido e se cagando. O ruim é que ninguém vê que você tá fodido e se cagando. Enfim, eu meio que fiz um esconderijo secreto nesse poço aí. Eu mergulhei na água e achei um alçapão que dava para um mundo chamado: não me importo. Posso falar que estou cagada. Isso se chama liberdade, e só não é liberdade o fato de que eu estou mesmo cagada. Mas eu posso evocar. Fazer bruxaria embaixo da bunda do satã. Acender incenso no esgoto. Comer uma banana com a água podre até o pescoço. Eu posso ser esdrúxula. Pegar na mão do monstro. Soltar. Enfiar o dedo na minha goela e vomitar a banana que comi. Ver a massa amarelada da fruta se misturar à massa marrom da minha merda. Pra isso basta que eu tenha uma garganta, um cu e um dedo. Tá vendo? Eu até deixei você pensando besteira agora. Não sei rio ou se choro. Acho que ultrapassei esse lugar que ou ri ou chora. Agora eu gargalho com minha retina e choro com minha língua grossa. Agora, eu virei essa porra do avesso.

25.03.2015

As suturas feitas no meu ursinho de dormir infeccionaram. A culpa era toda minha, uma mãezinha despreparada que não limpou direito as feridas. Pegou pó lá dentro do pescocinho remendado do bicho. Mesmo sabendo que a jugular dele já tinha se engasgado com a fibra que o mantinha macio, eu jurei que nunca o enterraria. Socava meus dedinhos no vão do pescoço, e empurrava os fiapos toda vez que ele tinha uma noite perturbada e se mexia muito dormindo. Mas também caiu um botãozinho do olho. Eu não me importei, sabe? Quem é que precisa de dois olhos? Com um a gente já vê desgraça o bastante. Rezei um pai nosso e depois falei pra ele ficar até agradecido. Também caiu na água. Ele ficou pesadinho, gordo, parece que a cor dele, que era opaca, estalou. Eu até vi ele berrando, porque deve doer muito se encher de água de um segundo para o outro. Pedia desculpas para ele enquanto eu o torcia. E meu chorinho se misturava com a água que escorria na minha blusa. Eu quero meu ursinho. 

25.03.2015

Subi aos céus pela escada de serviços. Service only. A minha morte não tinha essa intenção de faxina, mas é o que restou depois do acúmulo de cera que passaram no chão da sala lá de casa. Deus me paga cinquenta reais a diária. Não paga férias, nem fgts. Mas diz que o trabalho dignifica. Bom, sabemos que isso não é verdade, e que na maioria das vezes, ele apenas embrutece. Mesmo assim a gente continua trabalhando. Eu me pergunto quem ou o quê nos fez acreditar que essa era nossa única chance. Quem nos diz 'acredite em seus sonhos' e sussurra no mesmo instante 'venda sua vida pelo teu sonho'. Eis que sonhos não valem nada se você não tiver uma vida. Isso é uma ideia tão ridícula quanto comprar pão todos os dias e comer todos os dias um pão envelhecido do dia anterior. 

segunda-feira, 23 de março de 2015

23.03.2015

O infinto está torto. A minha voz está riscada. A estridência dos dias rolaram morro abaixo diretamente para o centro do meu coração. O choque das risadas no meu peito, pedaços de carne que voam, de mim para fora, esburacam o meu círculo honesto, empacotam minhas dores para viagem. As minhas costelas eram a grade de um cárcere. Da minha boca sai um cheiro de coração morto. Espero que o infinito me carregue para dentro de um buraco negro, e lá dentro seja tão quente quanto um abraço. Estou pequena e o universo derruba estrelas nas pontas dos meus pés. Junto-as e coloco no céu do meu quarto, sem brilho elas parecem tão descartáveis. À noite, enquanto durmo, elas emitem sons de grilos inquietos, dá uma boa sensação de que a noite me pegou no colo. Com a faca que me mataram, ei de abrir os seus pequeninos corpos opacos e saber se ainda há alguma luz lá dentro. 

domingo, 22 de março de 2015

22.03.2015

Minhas coxas: cordas do teu enforcamento. Você me sugava pelos lábios e eu nunca ia para dentro da tua boca. Então você me chupava mais forte. E tudo que tu engolia era a minha morte, a minha dor, a minha sombra. Teu sêmen salgado como lágrimas. A excitação era tua saída de emergência. Depositava dentro de mim a tua desesperança. Eu germinava como planta, me envolvia no teu corpo como algas e dispensava todos meus líquidos ao teu toque. Não me engavam os teus beijos desesperados, mas você gozava e doía nas minhas mãos, e minha boceta um casulo para tuas dores. As minhas, guardadas no teu sono pós-sexo.

22.03.2015

Abro as pernas e deixo pingar o sangue em cima de minha declaração de renda impressa em papel reciclável. Um ano de derrotas comprimidas em valores alinhados, temo-os como vinte e cinco mãos enfileiradas agarrando meus calcanhares. Planto um dos meus pés no quintal da minha casa abandonada. Ele ainda está ligado à minha perna. Um detalhe que  pesadelo não conseguiu configurar. Inconsciente quebrado. Espelhos colados em suturas. Uma mão escorrega por entre o vão dos cacos. Passa os dedos na minha boca, enlameia meus lábios. Penetra meu pesadelo. 

sábado, 21 de março de 2015

22.03.2015

Cocaína dos meus desejos. As agulhas prontamente eretas despencando no banho, como alvo o meu centro, aquele que nunca localizo. Hoje elas me dirão. Hei de sangrar pelo caminho principal de minhas dores. Não espero morrer. Não acredito em fadas. E nem nessas coisas que se chamam alívio. Você respira atrás do azulejo do box. Sinto teu calor na minha orelha. Conta-me cifras bem guardadas de uma história que não existe. Inventa o meu assassinato dezesseis vezes. Finjo minha morte como as mulheres idiotas fingem seus orgasmos. Uma prova de amor: me dopo e encho a banheira. Você está a espreita na casa toda. Assista. 

21.03.2015

Eu não tenho mais costas. Minhas costelas estão suspensas, oxidando ao toque do mundo. Decomposição resultante do veneno que engulo todos os dias. Não tenho mais orelhas. Os dias são a repetição de barulhos passados. Silêncio de um país construído e abandonado. O corpo parou no meio de um bombeamento cardíaco. O sangue foi até o meio das pernas. Paralisia dos enganos sentimentais. Não tenho mais seios por onde se derrame meu leite. E meus orifícios foram lacrados por irregularidades na minha história. Virei um caso engavetado por alguma ordem superior muito ocupada.

21.03.2015

Psicose no ralo do banheiro. Eu esperando a mãe doente vir me esfaquear. Ela não vinha. Ela atrasava. Ela não viria. O nascimento é prematuro. A morte é sarcástica. Eu mesma faria o serviço. Fiz um desenho cirúrgico na minha barriga. Das trompas às pernas: o caminho era a desgraça. As sementes se acumulavam, desciam em meio à urina, entupiam o ralo, óvulos roubados de mim, óvulos que imploraram o toque da mão que me masturbava. Jogarei as trompas fora. As pernas. A barriga inteira. A boca, principalmente. Essa que não para de me contar a mesma história. 

21.03.2015

O desamparo da carne. Você não foi forte o bastante para dizer que eu existo. Construí você em quinze andares de mentira. Agora não te elimino sem que um grande pilar me atinja. Abraço. Morte. Esperma. Sangue. Caricaturas de mim. Escolhi o fundo do poço como lugar no qual você me comeria.  Estou decompondo. Estou azul. Estou desmanchando. Você está decompondo. Está azul. Está desmanchando. Não há mais tempo para falar que eu existo. 

21.03.2015

Galhos na boca. Planta que cresce no fundo da garganta, de ponta cabeça, inversa, cujos frutos se colhem onde não há boca para comer. A sujeira da fonte maquia meu rosto. Não sou uma vagabunda pós-moderna. Sou a selvageria que se auto engoliu. Os meus ovários regadores dessas plantas carnívoras. Quando não se come se é comido. Pedaços de mim adubam uma história mentirosa. Pedaços de mim são arrancados e regurgitados através de nossas transas. Abrace meu corpo, me aperte os pulsos, entre. Não deixe que eu cresça sozinha. 

21.03.2015

Déspota dos meus pelos pubianos. Não houve chances. A esperança era a toalha que eu mordia enquanto você se enfiava por trás, com força. A desordem dos meus cabelos, vítima do teu desejo de ser meu dono, a vontade erguendo-se a despeito da depressão. Castelo feito de areia lunar. Eu sentava na retina dessa posição erótica carcerária. Olhava o teu rosto: a construção de uma desgraça a desmoronar dentro de mim. O diabo jogava suas cartas de amor de um prédio de dezoito andares, letras miúdas e um excesso de mentiras, Eu ia ainda nua para o meio da rua e juntava todas. Nunca sabia por quê. 

sexta-feira, 20 de março de 2015

20.03.2015

500 miligramas da sua urina. Um teste bactericida para minha veia coronária. O rim expelindo o amor em forma de pedras. Tu me ofertava uma contaminação diária. O caminho do teu esperma, apenas, de intenção invertida. 500 graus de minha miopia. Não diferencio, te masturbando, a textura do teu sentimento. Ainda assim, retenho tudo. 

20.03.2015

Não inventa essa luz artificial para iluminar. Cegue-me.  Não me coloca nesse prédio tão alto sem porta de entrada ou saída. Segue-me. As poeiras de uma implosão previamente planejada ainda estão espalhadas no meu intestino. No detonador, as tuas digitais. Cegue-me. Caminhos sanguíneos se abriram, escoaram minha feminilidade nas pernas. Segue-me. Tua sede não era mais que a ganância dos desesperados. Cegue-me. Eu, igualmente desesperada, bebo do meu próprio - sangue -. Segue-me. Beba-me. Enterre-me. 

20.03.2015

A desordem dos meus músculos ainda te busca. A excitação que lubrifica o por trás do útero. Meus ovários ramificando ervas daninhas. A raiz saindo da boceta. Flor que morre sucessivamente, círculo macabro do meu aparelho reprodutor. Você me dando corda. Meu choro: uma música. Até que se ramifique o bastante para alcançar meu pescoço. 

20.03.2015

Estou incrivelmente farta. Todos meus orifícios vazam um líquido produzido pelo excesso. Ninguém garante que o inferno não esteja, além de abaixo de nós, também acima. Você voou na minha direção, esquizofrenia do desleixo emocional. Eu correspondo só à parte patológica. O diabo é só alguém em desespero.

20.03.2015

Nenhuma palavra de salvamento. O suco gástrico da rejeição sobre na língua e queima. Antes fosse uma úlcera a qual eu pudesse confiar minha morte, meu descanso. Nunca serei uma mulher. Tenho uma vagina despencada. A força de um prédio que flutua está nos meus ombros. A base sólida feita de pedras assentadas no meu útero. Nunca fui amada. E quando fui, amaram um homem. 

quinta-feira, 19 de março de 2015

19.03.2015

Não amarre os meus pulsos com essa sensação de desmaio e encolhimento. A diferença entre o gritar e o ouvir está no lugar que você senta. Meu lugar era o banco de um cativeiro. Aprendi a amar o silêncio do sequestro, a lei me protegia, mas a proteção não me oferecia nada além de uma condição, um palco vazio. Você me oferecia a morte. Quantos degraus da minha inconsciência você desceu para entender que se me amasse, me mataria? Quantos degraus da sua você desceu para descobrir que me mentia?

19.03.2015

Não posso escrever manso. No meu mundo as coisas existem. Não são dissipadas como nuvens. Ainda que você tenha feito um bom trabalho ao dissipar o meu passado, me colocando como um soldado na marcha adiante, sem se importar que adiante de mim não havia nada. Cada vez que tento girar a cabeça para trás e te olhar, você me empurra. A dança da bailarina na caixa de música, ligada por um imã embaixo do espelho, é por isso mesmo, pura psicose repetida, gira sem propósito, apenas porque está atraída ao espelho, ao passado, e o futuro é uma força que a repele. A psicose só é bonita enquanto a música ainda toca. E, quando a caixa se fecha e a noite chega, eu não durmo. 

terça-feira, 17 de março de 2015

18.03.2015

Cheirador de ácido. Vamos colocar o fogo ali dentro, onde tudo já é cinza. Rememorar a queimadura do copo, quando ele ainda podia expandir e estourar e criar bolhas no espaço do outro. Estourou pra dentro. Esquecia que o cheiro é um estupro, que não somos nós a invadir uma experiência, mas sempre ela é que nos invade. Somos constantemente violados. O amor de todos os atos. Meu ursinho de dormir chamado querosene.

17.03.2015

Engasguei-me. Acho que algo se atravessou na garganta, no caminho da fala. O que eu sinto ficou lá embaixo. Escombros de um prédio de três andares dentro do meu pescoço. A cada minuto que anda - o mundo nunca fez a gentileza de parar, essa ganância maquiavélica - as chances de vida lá embaixo diminuem. Aprendi com os bombeiros. Eles não contam por pena, mas pararam as buscas. Vestiram um palhaço com aquela farda pesada, deram-lhe uma máscara de oxigênio e pediram que ficasse dando voltas em círculos, eu o epicentro de uma chacota desumana. Pelo menos ele encardiu a pele de fuligem por mim. Ele me amava. Me amava muito. Por isso mesmo que eu tivesse medo de sua aparência de assassino de filme de Stephen King, eu apertava sua mão e ainda pedia ajuda. Fingia acreditar que ele podia me salvar, porque de outro modo, ele não ficaria ali me enganando. Ele iria embora. Deus podia ter me enforcado até o fim. Ao invés disso, solta as mãos cada vez que ameaço chegar perto da morte, seu movimento erótico de entrar no abismo, sair do abismo, entrar no abismo, sair do abismo, rir igual o palhaço que não me ama. 

17.03.2015

Há uma puta chamada pressão que me persegue. Uma vadia que ri alto no meio de uma rua na madrugada, sem saber por que ri, mas cuja boca é incontrolável tal qual a boceta. Uma pessoa que vale dez reais a hora. Não o corpo, parem com essa ideia dualista ocidental de falsificadores modernos em série. A hora inteira da vida dela vale dez reais. Isso é a porra de um salário mínimo? É? Não sei, porque odeio essas coisas chamadas salário, vida, boceta, rua. E é a boceta, mas poderia ser as mãos, a mente, a boca, a inteligência, a sensibilidade. Coisas que o comércio já engoliu, a tua vida já engolida, e você aí com discurso pela boceta. Peloamordedeus. Enfim, isso era sobre um riso estridente que ecoa sob as lâmpadas de uma cidade fedorenta no meio da noite. Mas nem é mais. Veremos do que é que ela ri num próximo escrito. Já que nós não rimos de coisa alguma. 

domingo, 15 de março de 2015

15.03.2015

Saltava a bailarina sobre as tumbas. O cemitério era palco de sua doçura. A meia calça rasgada na coxa. Os braços erguidos no gelado da noite. Tua maquiagem de vagabunda-encantada. Dance pra mim, bailarina. Esfregue tuas pontas dos pés em cima dos mortos. Tão superior ao que a terra come. Tão alheia às dores dos dedos, sangrando para te fazer rodar. O osso entortando para te manter na altura, para que tu pegue a noite com teus braços. Teu coração tão disposto a amar. Dance, a música é o choro das perdas enterradas em caixas, lado a lado. Dance, bonequinha. 

15.03.2015

Há um rio de sangue que invade minha nuca. Procura o centro da minha mente. Procura voltar pra casa. Jorros vermelhos, abundantes, presos na tontura de seu simbolismo. Sangue traumático. Rio de morte com cheiro de casa. com cheiro da nossa cama, que a gente não sabe qual é. Uma ilusão de carinho. Que espécie desumana olha esse sulco chamado corpo encher de sangue sem estancar todas essas desgraças com as mãos, com uma toalha, com a verdade? Estou voltando pra casa. O que parece bem inútil agora que meus pulmões já encharcaram-se com teu suor. Veneno ingerido de dentro pra fora, pulsão lombar às avessas, você estava enfiado entre as vértebras da minha coluna. Mantinha-me andando. Um passo em direção a mim a cada penetração. Mas você já sabia que eu era uma suicida. 

15.03.2015

Descavava batatas. Amido não era amor. Mas entupia tanto quanto. As lascas de casca, cheirando ainda a uma semelhança de terra, não a terra propriamente dita. tudo era uma enganação. A queda. Filetes de desperdício tombando mais rápido, venciam vez por vez, a velocidade com que meu sangue escorria entre minhas pernas. A minha dor era um atraso. Ficava lá atrás, e eu olhava sempre pra ela. Uma competição com o churrasco dominical. Nunca venceria aquelas batatas. Sucessão de salada de choro. Excesso de sódio em gotas. Refeição sado-masoquista. O silêncio da faca me olhando.

15.03.2015

O bisturi foi engolido pelas paredes do meu útero. Um abraço de fertilidade sangrando mutilações. Meu corpo não distingue objetos que cortam de objetos que abraçam. Apertava, conforme precisava de amor. Estragava-se. Rasgava-se inteiro. Era tudo receitado pelo médico. O céu era o limite, mas o inferno era o ilimitado. Cresceu. Pasmem. O objeto metálico também amava. Também era uma coisa digna de pena, também era uma coisa que pulsava, implorava uma utilidade, não entendia as lâminas, encolheu-se, e por não saber fugir de sua natureza, transformou-se em arame enfarpado. Subiu em mim, por dentro. Um incômodo genital. Um caminho na escuridão do corpo, o trabalho silencioso de uma descostura. Meu destino é o tráfico de órgãos, não há ligação em mim, cada ecografia conta uma história distante de saudade. Mas uma ponta do arame chega à boca.

15.03.2015

Quando nasci o médico esqueceu o bisturi na minha barriga. Não me perguntem por que é que não foi na barriga da minha mãe, o que é que ele pretendia enfiando em mim aquele objeto cortante. A verdade é que não precisamos mais dessas coisas chamadas respostas. Faz tempo que elas foram derretidas pelas bordas até que o núcleo amolecesse e tombasse como uma cera inútil que não ilumina mais nada. Não precisamos mais de respostas. Elas perderam o propósito. A pergunta foi longe demais, caminhou para um lado animalesco. Responder não fará diferença. O bisturi não é mais um bisturi. É outra coisa. É um pedaço de mim.

15.03.2015

Um passarinho vomita no céu. Uma insignificância. Seu corpo pequeno voa. Uma insignificância. Um esqueleto de réptil encouraçado pela asa do passarinho. Um tombo aéreo de sufocamento. Insignificância. O sexo vertiginoso do animal sem genitália. O meridiano em cópia infinita. O mesmo lugar. No céu não sangramos. As feridas são chupadas para dentro. Uma insignificância. 

15.03.2015

O cheiro do fermento, rastros aéreos de satã. Um pulso costurado indo e vindo, erótico, umedecido pelo sangue fugitivo das suturas. A massa de um pão rolando fresca na mesa, um pão para dividir com todos que não estão mais na casa. Hipnose de cozinheira magoada. Fornalha estalando os gritos dos abortos. Esperando o pão. A massa crescendo, esponjosa, a cozinheira pisca mais forte, saída estratégica de um transe - olha para a porta da sala - ninguém está vendo - não há ninguém - ela aproveita e corre para o pátio. Junta pequenas britas cinzentas, como seu coração era cinzento, e as aperta entre os dedos. Volta pra cozinha, passando ligeiro pela sala vazia, cuidando para que ninguém da sala a veja. Joga as pedras no pão. O cinza se misturando ao amarelado, as pedras como vitimas numa teia de aranha alimentícia, venenos chamado o peso da vida. 

sexta-feira, 13 de março de 2015

13.03.2015

A enxada subitamente penetrava a terra. Eu me perguntava se havia uma maneira delicada de abrir uma cova. O silêncio era delicado e ele mentia. Tudo era engolido pelo silêncio. A casa abandonada, o pátio cemitério, a árvore corpo. Raízes tão profundas que estalavam conforme eram atraídas pelas mentiras da noite. Uma bala de festim, um buraco frutífero, uma cova vazia. Ninguém ousa experimentar essa fruta. A bulímica mascara sua náusea com uma patologia. A frágil natureza de seu espírito perturbado. Ninguém questiona. Ninguém entende o que deve ser enterrado, no entanto, a família toda, excetuando a bulímica que partiu em fuga para o banheiro, se agrupa ao redor do túmulo improvisado. Sou a única viva. Este sonho é meu. Este inconsciente é meu. Fecho os olhos para testar meu poder - não por medo -, pretendo eliminar todos dessa noite bizarra, preciso de um momento de solidão, preciso do descanso das reações, meus reflexos estão dopados e não pretendo me esforçar para corrigir o relógio da casa. Ou o meu. Ou qualquer relógio que exista no mundo. Um erro: acordo com os pés fincados no túmulo. Os espíritos brincando de balanço com as cordas de enforcamento. A bulímica me olhando da janela da casa. 

13.03.2015

Sulcos no chão de madeira dessa casa velha. Passos que não partem e nem chegam a lugar algum, estão apenas espalhados, formando a evidência mas não a história. O sangue percorre os caminhos dos vãos da casa. O sino para o jantar chama às 4h15 da madrugada. Minha mãe morta está na frente das panelas. Mexe o caldo com o pequeno galho roubado da árvore usada no seu enforcamento. O corpo ainda balança lá fora, o vento é imperdoável em soprar as mortes para dentro da casa, a gravidade devolve à terra o que é da terra, o corpo apodrecido, o choro caído no rosto, a cor esverdeada nas veias, uma raiz de árvore cujas folhas nunca nascem. Não estou com fome. A tristeza enche meu estômago. Sento na pequena escada na varanda. Dois degraus para o fingimento do alto, a casa não toca na terra imunda. Escuto os barulhos dos talheres. A casa está cheia de espíritos. Entrarei e procurarei o meu. 

quinta-feira, 12 de março de 2015

13.03.2015

Aquele casarão chamado saudade. O barco da minha serotonina afundado. O vidro quebrando no meio da noite, eu acordo dentro do meu cativeiro chamado mundo. Eu durmo e acho um esconderijo. A quem enganar? Caio nalgum banheiro bizarro com um palhaço assassino. Meu sangue escorrendo no ralo, só para avisar que a morte vai chegar, talvez no próximo segundo, ou no próximo, ou depois. A bulímica fazendo escândalo no banheiro. Essa geração de fantasmas nem vomitar sabe. Vomitam vazio. Movimentos do esôfago que caem no escuro do lugar-nenhum. A privada limpa por uma obsessiva compulsiva, retratos da doença chamada: nada. nenhum. coisa alguma. lugar nenhum. vazio. Ela dá a descarga mesmo assim. É patético. Tenho que sair debaixo da cama - sim, eu estava escondida na casa, eu tenho medo - e ir lá meter a mão na cara dessa mulher-morta-imbecil-que-pensa-que-vomita. Tirá-la da psicose chamada 'meus restos alimentares'. Se não tivesse morta, eu matava. 

quarta-feira, 11 de março de 2015

11.03.2015

Entendo quem fuma, quem bebe, quem se droga, quem se corta, e quem se mata. Pessoas que se levaram a sério, que acreditavam no que sentiam até quando o sentimento era dúvida. A minha casca era fina, e sendo fina não era proteção, e sendo casca era cárcere. Nasci tarde demais para o aborto, e cedo demais para o parto. Não distingui, no tapa do médico, a distância entre a agressão e o afeto. Engoli a língua de susto. A carne parecia uma alcatra mal passada. Muito mal passada. Aprendi desde cedo que eu tinha um gosto, e que esse gosto seria o primeiro e o último. 

terça-feira, 10 de março de 2015

10.03.2015

Acordei de bruços. Duas mãos estendidas nas minhas costas pressionavam meu corpo contra o colchão. Vozes invadiam meus lençóis. Rompiam e penetravam minha pele. Shiatsu do desespero. Meu olhar morto para o massagista, o diabo.

10.03.2015

Letárgica. Minhas lágrimas sendo bebidas pelo verme escondido atrás do meu olho. A parte branca, luminosa, um limo transparente e puro, eu me odeio. A boca quebrando no meio da palavra, os pedaços no meu colo, um ninar desvantajoso do amor, não reconhece sua natureza benigna, e chora mais forte. Jogo essa criança pela janela. Ela retorna emudecida e puxa meu vestido enquanto eu me corto na frente da pia do banheiro. Está tudo bem agora, ela perdeu a língua no acidente. 

segunda-feira, 9 de março de 2015

10.03.2015

Caímos num fosso, eu e o estranho. Nossas cabeças unidas no final do percurso capilar, mil pedaços de corpo que não se tocam, o espelho e o atrás do espelho, aquilo que não reflete, mas se fecha, um zíper amaldiçoando histórias, e a abertura do fosso lentamente circula em escuridão, também se fecha. O dna das unhas nas parede do fosso: mescla dizigótica, unhas transexuais, esmalte de escrito falso, nossos elementos são escada que não sobe, degrau acima, ela apenas desce, Satã sentando a bunda na abertura do fosso. Você surge do esgoto, sobe com a pele frágil aderindo ao cheiro esgotado de um crime, o corpo apodrecendo na água do fosso, tua luz se inverte: ultraje de monstro do pântano, teus braços se mexem sozinhos, não abate em ti a força diabólica desse sequestro, mas o transforma numa engrenagem maligna de si mesmo, teu coração andando na escuridão. Eu caí lá para que não ficaste sozinho. Eu, não um monstro, mas um ser que não se toca, cujas pernas são distantes, uma aranha subindo tatuada nas tuas costas, esquálido ossos, escadaria-costela da aranha. Juntamo-nos para contar uma história. Entro na tua nuca, aproveito-me do que é vasto no mundo do crime, te conto histórias no ouvido pelo lado de dentro, o tímpano ensebado de teias, esbranquiçadas. Satã levanta.
To be continued.

domingo, 8 de março de 2015

08.03.2015

Tomo um antidepressivo e eu mesma entro inteira dentro daquela capsula de remédio. Peço licença ao pó medicamentoso, também quero um espaço, e isso está atestado na receita. O corpo todo se comprime. Milhares de mãos apertam meus músculos, algo cambaleante entre o afetivo e o desprezado, cada aperto é uma descida no plano psíquico do meu palco de horror. A pele sendo tatuada pela agulha, no lado de dentro, nunca decifro o desenho. "Não me deixe sozinha", eu digo, passando entre um andar e outro nesse elevador de vidro, eu numa caixa expositiva, o horror grudado na janela esperando eu chegar mais perto. O elevador para. 

08.03.2015

Mil quilômetros uma lágrima fazia do olho até o contorno do rosto: o momento da finitude. Excesso de sal no choro. Suicídio em slow motion. Suicídio em stop motion. O terror da falta de sentido. Um precipício onde o salto se configura sempre no primeiro segundo da queda. A expectativa de um esmagamento. Acordava com anjos cínicos apertando meus ossos. A carne escapando entre o vão dos seus dedos. A minha carne entupindo o vão dos seus dedos, anjos satânicos. Bom dia, eles diziam. Eu em queda, paralisia corpórea da solidão.

08.03.2015

Maquiagem japonesa, escoamento ausente, estufa de minhas emoções, o rosto é um esconderijo. A lágrima caindo atrás do olho, escuridão de corpo sem luz, o dentro. O líquido um triangulo contrário, cruz anticristo, o desfazer dos meus sentidos, anestesia de fim de história. A linha acabou no meio do caminho, entre o início do corte e o fim da sutura, metade de mim está curada, metade de mim está sangrando. As veias não podem dizer a direção do sangue, são canos malignos cobrindo possibilidades com ideias acerca da minha saúde. Nem nosso sangue é livre. Nem ele pode. 

sexta-feira, 6 de março de 2015

07.03.2015

Sabe, eu queria ser uma garota que escreve manso. Não sempre, mas às vezes. Mas daí você fica ali, me empurrando pro meio do túmulo, e eu comendo terra até os dentes ficarem pretos, o gosto lá atrás dos meus pensamentos, a terra úmida que tu preparou como minha cama. Nem mil flores adoçam um cemitério. Então, foda-se mesmo. Meu lugar é a cena do crime, sempre. Pego a faca e martelo meu pulso com ela, o ódio de ti crescendo, crescendo, na mesma medida que te amo. Você me enterra na cova na mesma medida que se enterrou em mim. Então você me amarra na lápide, do lado de fora do túmulo, e diz pra mim: pra você, o lado de fora. E eu preciso assistir o mundo continuar, essa coisa desumana, e a mim restava sempre o lugar de fora. Não quero mais o dentro. Quero ficar sozinha e acender uma vela no meu túmulo vazio. Rezar um pai nosso para um deus que não existe. Ressuscitar no terceiro dia, dessa vez com a força para o suicídio. Sem choro pra você, sem desgosto alimentando os vermes que me levam ao pó aqui do lado de fora, sem choro, adubo de assassinato.

06.03.2015

Agulhava meu útero. Mal sabia eu que essa história tinha se alojado do lado de fora, o fundo falso da minha parede, uma gravidez ectópica. Sangrava meu corpo e pensava sempre que estava te matando. O aborto não é algo possível. Lutamos apenas para despejar o corpo invasivo, uma criança que crava suas unhas por vida na carne nossa onde é mais mole e fibrosa, se abre mil estradas de sangue, da vagina às pernas, e ainda assim, não morre. É que aquilo que tem força de nascer não está dentro, mas atrás, ao fundo, escondido. Uma força diabólica o protege. Cada célula tão cheia de memória, engordada, inchada, inflamada de memória. Vermelha, machucada, ardida de memória. Esgotada de memória. Meu corpo estava te matando. Biologia da autoimunidade. Meu corpo estava se matando. 

06.03.2015

O escorpião picava o bico do meu seio, seis vezes e então fatalmente, enquanto você me perguntava sobre um café da manhã derramando pelo copo a artificialidade do teu amor. Não, eu não queria. Mas tomei, o que é que se pode fazer quando é de manhã? E eu bebia tudo num gole só. Os surdos sempre me davam gastrite. Não posso conceber um mundo que não vaze pelas palavras, mas mesmo eu, emudecia, impotente, e o sangue criava cascas ao redor do meu rosto, eu acordava de um pesadelo, vinte e sete vezes na mesma noite, e você dormia porque se dopava, e o mundo era injusto. Eu só poderia dormir na morte. Limpava a boca, leite, aveia, frutas, tudo tão fertilizado e nojento. Te abraçava, e sentia a matéria. A tua pele, o peito. Não é pra isso que abraçamos. Era tudo tão irritante. Tudo acusava a minha impossibilidade de gerar vida. Uma porta fechava no meio das minhas pernas, e eu fodia tanto, o óvulo guardando meus choros, desfibrando em cistos teus segredos, a tua obscuridade me apaixona e eu a retenho em toda parte do meu corpo onde a luz não possa me denunciar. Pintei meu rosto, não quero olhar mais. Essa história não deve ser contada. Bebi o café da manhã e em seguida vomitei. Não era capaz de segurar nada comigo. Era capaz apenas de desesperada me segurar em algum galho criminoso no rio, o corpo azul decomposto, não, era cinza, e era a única coisa que eu podia amar. Você grampeou segredos nos meus pulsos, eu sangrava as tuas dores, e as minhas eram cópias idênticas, sentia tudo em dobro. Voltarei à tua cama. 

06.03.2015

Dormi beijando a desesperança na boca. Essa puta. Enfiava a mão entre as minhas pernas, o avesso da delicadeza, buscava minha língua pelo lado de baixo do corpo, monstruosa e apaixonada. Não quero. E reduzia meu corpo a uma maquinaria cuja engrenagem eu não tenho o menor dos controles. Não quero. Eu posso ser mais do que isso. Eu posso amar. E sorria com cinismo com o glóbulo ocular destacado, vívido, e tudo no quarto ficava cinza diante daquele olhar avermelhado, um olhar de choro histérico. Não quero. E no meio do sexo com as duas mãos sobrepostas socava meu peito e me ressuscitava vinte e nove mil vezes. Não quero. Deixa eu morrer. E soprava no meu ouvido todos os sujos segredos do meu último romance. Uma humilhação. Deixa que eu vá para o inferno. Então, me abraçava. Não podia permitir que eu me perdesse. 

06.03.2015

Na minha nuca havia um golpe. Um martelo a pressionar o meu cérebro, de baixo para cima, uma pancada silenciosa e potente, e tinha o efeito de uma droga. Não havia sangue que fosse derramado, quando o golpe vem de dentro acontece uma hemorragia ao contrário. Eu estava me terminando ao invés de morrendo. O martelo era uma borracha concentrada e eu sentia o peso do contato, uma estranha vontade de transformar minha cabeça numa gôndola, pequenos pedaços meus caindo, mas nunca pedaços grandes: eu viveria pra sempre. De repente tudo sincronizava com a batida do meu coração. De repente todo o sangue estava coagulado no meu coração. De repente meu coração era um martelo que me agredia. Uma fissura se formava no meio dos meus seios. Eu te sequestrei. Agora você escapava de mim por todos meus orifícios. Eu assistia minha emoção escorrendo por todos esses buracos, meu corpo ficaria só depois da última gota. E eu estaria eternamente atrasada para fazer algum sentido. Por esse mesmo motivo, nem me matar eu podia.

quinta-feira, 5 de março de 2015

05.03.2015

Nasci sob o efeito de um delay. A menos que eu pudesse morrer, e esperar, então viver novamente, eu jamais recuperaria o sentido da minha vida. Era sempre uma legenda atrasada. As pessoas nunca fizeram sentido pra mim. Elas abriam as bocas e o áudio não fazia sentido. Isso doeu. Eu podia tocá-las, mas jamais poderia falar com elas. Teria sido melhor que todos os sentidos acompanhassem o atraso, seria um desastre menos infeliz. Então elas me dizem coisas como: "espero que você esteja bem". Ou "aconteceu um imprevisto". Ou ainda "você é especial". Isso nunca esteve situado no momento certo. Eu jamais poderia entender o valor dessas palavras, porque elas nunca tiveram chance. Quando eu morrer, terei de esperar cinco minutos até que eu vá. Como meu corpo atrasa, ele ficará sozinho. Então no último segundo, eu poderei me sentir vinculada à uma história, a alguém, a uma identidade, eu poderei estar no mundo, porque será um sozinho com sentido. Até lá, escrevo lixos para ocupar o tempo atrasado.

domingo, 1 de março de 2015

02.03.2015

Saí do banho depois de você ter me fodido inteira. Não, não foi isso. Ninguém gozou aquela noite. Foi mais uma briga que excitasse, e de repente cada um cuspia no outro sua própria depressão. Eu te pedi "fica" quando você se enfiou inteiro dentro de mim, e você ficou. Depois no banho parecia outro homem, então aquele da cama ainda estava enfiado dentro de mim, e você - quem era você? - me olhava com carinho. Enfim, quando saí do banho, fui para frente da janela. A cidade inteira uma testemunha ocular inconsciente do desastre que seria a minha vida, para o qual eu caminhei tão lentamente cada vez que me atirava em você, "me empuleirava" como você costumava dizer, e o outro lugar que eu podia ir era a queda livre do décimo oitavo andar do teu apartamento. Tudo muito dolorido. Não se pode esperar nada de um amor que nasce da depressão. Aliás, da depressão não se espera nada além de um vazio fingindo cara de dor. Então, a gente se apaga, até que uma última luz também falhe. Fui enrolada naquela noite com uma faixa amarela escrita "crime scene". Era um pouco apertada, minha pele ficava marcada facilmente. Acho que você fez um trabalho bem porco no meu assassinato.