sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

31.01.2015

Um deserto em degraus que descem, ao final, uma única árvore. No seu galho seco, uma única mochila rasgando na alça, a gravidade desértica, o peso, o fundo falso do pacote, e depois deste, mais outro. Estalos e ameaças, a árvore fala. A aridez fala. A tristeza fala. A solidão fala. O centro da árvore úmido, verde, esquecido e transtornado. O homem esquecido na raiz. Convite do diabo. A porta da árvore entreaberta. 
O contato: os pulsos são acessos. A tua agressão me acorda. Eu estava linda e não era eu, já havia me libertado de mim. A violência das tuas mãos lentas nos meus seios: a demora é violenta, a delicadeza desse toque é um fundo falso a esconder minha morte. A inauguração da minha pele. A explicação mansa da posse. Você me acorda e retém cada face minha. Depois me dopa, e eu durmo. 

31.01.2015

Meu pulso é um deserto, Você me acorda e me dopa: uma ameaça solitária. Diabo esquecido e transtornado. O fundo falso dos meus seios. A tua agressão demora em mim. Uma raiz umedecida é violentamente amorosa. O sangue se apossa da areia do deserto. Convite à penetração. Uma porta inaugura a tristeza da minha pele. Livrei-me de mim e chorei sem gosto. A aridez do contato-tempo. A posse estalada do teu desejo. O homem à convite do diabo me ama. A gravidade do deserto me rasga. A tua demora dentro de mim era o acesso à minha morte. 

domingo, 25 de janeiro de 2015

25.01.2015

Você me chamou pelo nome.
Isso foi o máximo de cuidado,
e não o máximo, mas apenas.
Chamou pelo nome, como se
invocasse alguma identidade
ressentida, amarga e escura
à luz mundana das palavras.
Chamou o nome, para então,
enterrar o nome, e curvar-se
sem que o nome atingisse o
fundo do olho. Chamou, e
chamou, esse ato violento,
chamou o nome, pelo nome,
a história ergueu-se, era um
porco espinho melancólico,
um segundo de sangue que
entristeceu-se em ambos os
corpos, cada um virado para
uma parede.

25.01.2015

Não quero mais contar a ninguém onde estou.
Nessa terra de sol a pino, nenhum coco indígena
contendo a noite, haverá de me salvar. Nenhum salto
da fruta, acima, sempre acima, pode ter força, 
porque o recuo da ave é uma parede que pressiona. 
Não quero mais fingir que isso é um salto. 
Não quero mais fingir a construção ou a identificação, 
não há nada igual e eu sei porque nem o deslocamento
me livra dessa mina de sol forte surrando as costas, 
a escravidão é o corpo - acorrentado à imagem.

25.01.2015

Estou sendo esticada,
de modo a estirar todas
as minhas tripas.
Uma vez rompidas no
seu limite
não há retorno, como
uma gravidez que não
se anula, apenas
se aborta. 
Como a fertilidade
é confusa!, e por quê 
ela é confusa?
Lugar sem fala ou
silêncio. À qual
ausência de expressão
devo me entregar?

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

22.01.2015

Depois de tanto trabalho, e ainda que não trabalhando o tempo todo - ou talvez sim - , o tempo tendo passado tanto, mil vidas e todas a mesma vida, acordo hoje com referência de calendário, de horário, de local, tudo que é fato e apenas fato, tão desprovido de adjetivos mas engolidos em si mesmos, ensimesmados, eu, isolada, posso afirmar ainda que não acredite em afirmações subjetivas que me sinto sem a menor das referências, onde atrás é um escuro, onde estou é escuro, à frente é um escuro. Toda construção parece ter levado a uma insignificância, e todo trabalho posto ao lixo. É como um ponto zero, onde mais que se descobre, se percebe que não há nada além de si por perto, onde tudo é volátil, nenhum objeto se solidifica nas mãos, então não se entende a função das mãos.

domingo, 4 de janeiro de 2015

04.01.15

Símbolos, estou atrás de símbolos
procuro-os nos lugares, no meu corpo,
nos seios, nas pernas, no cabelo,
e nunca os encontro.
Espero concentrada que a imagem
me revele um segredo,
não encontro a imagem,
nem o segredo, nem a espera,
não encontro nada, tudo é
um oposto, um desacordo,
um avesso mal pintado, distorcido,
não são essas as fotos que eu irei tirar,
esse enquadramento que nunca diz
coisa alguma, e nem é a noite,
nem é a chuva, nem é o cheiro,
que não é gente, não é humano,
mas uma coisa atirada à sorte,
ao acaso da construção de si,
que não diz da onde veio, nem a que,
não reconhece iguais ou diferentes,
nem enche a boca com dizeres,
vazios das mensagens cujas palavras
estão nas linhas raivosas das imagens e
nas cores ausentes da escuridão,
estou atrás de uma imagem
que conte uma história.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

01.01.15

Há um vidro, de uma janela talvez,
cujas gotas de chuva escorrem livres
e abertas, caminhos excessivamente
limpos. A superfície asséptica do
vidro é infértil como um carinho
ausente, o vidro, transparente
como a falta de afeto, limpo,
excessivamente limpo, carente
de história, bonito como uma coisa
inútil e distante de si. A janela não
esconde um lugar caótico e imundo,
mas apenas separa esse lugar do mundo,
do toque, da chuva, do cheiro,
de tudo aquilo que for uma pele macia.