domingo, 31 de maio de 2015

01.06.2015

Conserva teus ligamentos intactos: enforque-se com eles, em cada pedaço, a ti mais que uma morte é necessária. Reprime teu grito suicida, engole e guarda na glote até que eu possa tocar o momento em que tu se acaba e desaparece do enquadramento. Quero um teatro japonês. Quero uma gueixa chorando no teu pé empoçado de sangue. Conserva as cordas que seguram a cortina do teu teatro. Veste o veludo vermelho da cortina que separa o palco da platéia. Desconecta teus ligamentos, um a um, em atos, epílogo, e o que mais for chamado de mentira. Eu assino teu ato vazio. Eu enceno teu poema recitado. No palco: meu fígado, meu pulmão: atrapalhando a cena. E a língua, procurando teu pênis, perdendo o roteiro da cena. Conserva tua morte intacta, já ensaiei cinquenta e oito vezes essa parte da história. Conserva teu choro, teu sangue, em cima do palco, vou fechar o tetro, de todo modo. Tirando a morte, o resto todo precisa de reparo. 

01.06.2015

O grito gira e acerta a parede. Arrebenta-se. Um grito me cobre de azul. Dezessete pesadelos me atingiram como um pelotão de fuzilamento na hora marcada para a execução. Um grito me despiu de azul. Não há nada na caixa de pandora além do choro, guardado em formato de garganta, arrancado do corpo de um coitado indigente. Um grito me penetra entre as pernas. Atinge a fala no mesmo instante, como uma katana bem afiada, que me ama mais que você. 

sábado, 30 de maio de 2015

31.05.2015

Cápsula de abraço. Cápsula de palavra anti-vazio. Cápsula de regular batimento de coração partido. Quem engole antidepressivo não precisa de cachaça. Quem cheira cocaína não precisa da morte. Cápsula de cicatriz como tatuagem. Falta coragem para o furo. Cápsula de enfileirar meus dias em ordem cronológica. Enumerar as batidas de um coração que parte o vazio e quebra a si porque não encontra. A receita médica diz: uma trepada por dia, ao acordar, em jejum. Se houver efeitos colaterais: um poema antes de dormir com 20 ml de mentira diluída: beber apenas com água. Persistindo os sintomas: suicídio.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

27.05.2015

Falta-me a cachaça, o sexo, o caco de vidro. Falta-me a terceira hora da madrugada, o terror dos vampiros, o crucifixo em chamas na parede do quarto de uma velha. Falta desenterrar a palavra do quintal da casa abandonada, subir nos balanços e embalar o salto para a discórdia, falta apagar as luzes da cidade quando a mulher nua passa, sentindo nos pés o asfalto e a hipocrisia das moradas enfileiradas, como se não houvesse nada, como se fosse aceitável, como se não pudéssemos quebrar os ponteiros do relógio, ou enfiá-los no rabo de quem os aceita. Falta o ritual satânico de minha mãe preparando o jantar, a sua alma por rodelas de cebolas bem cortadas. Falta dizer que odeio cebolas, e comê-las com o bruxismo potencializado pela raiva, correr ao banheiro e vomitá-las inteiras para o jantar de amanhã. Falta a cachaça, o sexo, e o caco de vidro. Falta o teu corpo nu na cova. 

terça-feira, 26 de maio de 2015

26.05.2015

Sou um objeto não identificado de tristeza, levaste, com as mãos, meu cheiro, e também os dedos das minhas, uma fabricação interrompida da vida, um latrocínio da minha epiderme. Sou um cavalo andando em círculos, orbitando uma figueira solitária na planície, a selvageria de grande porte trincando as patas, o cheiro podre dos figos recusando a queda. À medida que o tempo passa, o escombro aumenta, os ovários expelem saudade, o clitóris engole enganado, devolve em bulimia, desesperado, um antídoto de serpente equivocada. Guardo tudo no caixão de memória, teu simbólico sangue por mim derramado. Logo enterro, o corpo, a cinza, meu cheiro, numa cova mais rasa que minhas lembranças, até lá, sou um objeto identificado na tristeza.

26.05.2015

Tem um rabo de gato na minha boca. Saindo da garganta, os pelos úmidos, a ponta cicatrizada. Acho que bebi em excesso ontem. Uma imagem escapou do meu inconsciente pelo buraco da parede e ganhou um corpo: aqui não pode existir essa coisa que chamam de abstrato, isolado da realidade. Aqui, no consciente, tudo tem que dar a mão como quando a gente reza o pai nosso num velório, e todo mundo tem que estar encostado no outro, os braços formando uma teia de aranha religiosa, o morto um inseto que grudou na teia e... bom, ele não devia ter se grudado na teia. Agora eu tenho que descobrir o que fazer com o rabo. Agora eu tenho que dizer o que eu comi, porque os vômitos não se formam sozinhos no estômago. Talvez eu tenha comido o gato. Talvez eu tenha realmente bebido. Talvez eu tenha esquecido o antipsicótico. Talvez eu tenha rezado e pedido a deus por um sinal. Eu sei que todas as opções são mentiras justamente porque poderia ser verdade qualquer uma delas. A diferença entre a orgia e a novena está na parte da pele que se toca, até a intenção é a mesma: livrar-se do sofrimento, encontrar o paraíso. Talvez o rabo tenha sido criado a partir do vazio, como o mundo, e sendo assim, pode se atirar a qualquer sentido, não tem a gênese da direção. Se for assim, eu vou enfiá-lo de novo goela abaixo. Quero que uma coisa sem direção e sem sentido fique guardada dentro de mim. Como um segredo escondido dos olhos de deus. Eu tenho algo que foge da possessão da ordem. É assustador. Não sei que parte de mim poderá digerir esses pelos. Acho que nenhuma. Acho que como castigo, ficarei com isso de atravessado na garganta. Como uma faca cravada de dentro pra fora. Essa ausência eterna não sobe nem desce de mim.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

26.05.2015

Ponha teu ouvido colado ao meu umbigo e escuta os vazios estalando como fogo, lá onde as mãos da criação não tocam, e as tuas, masturbatórias, só erram os caminhos do Falópio, que me sangrasse em teus dedos sem me matar era o tamanho exato da tua inutilidade. Encosta teu ouvido no peito e escuta o músculo do coração inchar como a boceta na hora do sexo, a carne tenra e úmida e cheirando à própria natureza de batida desvairada, ritmada, sugando pelo avesso a minha possibilidade de viver sem me foder inteira. Desliza teus dedos nas ranhuras das minhas costas, e percebe o poema que o diabo talhou quando eu nasci e sem saber que era um péssimo poeta, se emocionou demais com a catarse, o último verso na nádega direita, segura ele bem firme com a tua mão, respira bem o poema, aperta bem a carne, e cospe na tragédia excessiva que é o inferno. Enfia com cuidado na minha boca, o pau, ereto, escuta o lábio, e devolve a palavra à minha garganta, movimenta então rápido até que o lábio imite a fala, e a fala imite o gozo, e então retira-se por completo daqui, e de todo o meu corpo.

domingo, 24 de maio de 2015

25.05.2015

Anestesia de sono em alto mar. Conexão elétrica rompida. Aqui a terra é salgada e o desamparo é largo. A correnteza me empurra para onde a morte acontece. Mas esse afogamento de sal preserva a carne. Um sonho flutua na água, ao meu lado. Abandonado o esforço, a cidade submersa se constrói aos poucos. Esconder-se do bater seco das asas. Dormir onde não há leito. Sou um corpo desovado no rio. Sou uma palavra ensacada. 

24.05.2015

Acho estranho que eu não possa chorar embaixo das lâmpadas da cidade, numa rua fria, escura, e talvez eu estivesse nua e paranóica, e talvez eu estivesse colada na morte. Acho estranho meu corpo escorrer vazios o tempo todo, espaços sentimentais ocos, eu abrindo, com enxada, covas no asfalto, nada acontecia e ainda não havia um cadáver. Acho estranho as moscas fazerem um móbile em torno da minha cabeça, eu estava constantemente vazando o pus de minhas ideias infeccionadas, e elas - as moscas - eram o único zumbido quando a cidade fechava seus olhos, quando as ruas largas funcionavam como redomas da minha loucura. Gosto de dormir nos cruzamentos.

24.05.2015

A semente paranóide: você comia meu cheiro aos pedaços fartos. Fechou a porta da minha garganta, enfiou a língua, e cobriu meu espaço, sou apenas um tempo perdido nas tuas mãos, sou tantos hectares de pele branca, apenas uma palavra parada no meio da sílaba, da qual tu não pode mais evitar terminar a fala sem que fique louco. Suga minhas alucinações uma a uma, com a boca, e cospe, numa caixa de pandora, meus líquidos caminham no escuro através de teus movimentos, você é uma força magnética puxando minha existência, opaca, no meio da floresta, para o centro vermelho do meu corpo. 

sexta-feira, 22 de maio de 2015

23.05.2015

Encha o copo com vodka, até a borda do sistema nervoso. Derrube todos os planetas da órbita. Beba três doses por segundo. Tranque as portas de emergência de um prédio em chamas. Salte da sacada. Ou queime. Ou beba. Ou minta sobre os planetas. Não me deixe pensar que você tem decência. Inunde de álcool todas as suas chances. Quando finalmente tiver coragem de me matar, me beije.

23.05.2015

Soltar a mão no precipício. Livrar-se da clausura do teu toque. Respirar o ar da queda. 17 posições para não dormir. Levar até o fundo do pulmão a fumaça do cigarro, do incêndio, do teu corpo incinerado. Esquecer. Sentir a correnteza do rio nas coxas, ser sugada, ser levada para o limite da cascata, ouvir de longe o quebrar dos ossos, morrer antes do fim como um resgate. Ser recolhida do abismo. 

22.05.2015

A manivela do choro no vazio. Um banco de sangue a aquecer-me, um chá. A feição afastada do rosto, dorme, expulsa o inédito acontecimento da pele, sobra o ritual do nascimento, sem o nascimento, o primeiro choro escondido nos próximos. Estou aqui, no mesmo lugar, desde que estive em algum lugar. 

quinta-feira, 21 de maio de 2015

22.05.2015

Não inauguro minha vida mais que uma única vez, batendo depois disso centenas de portas atrás de mim, esvaziando minhas possibilidades à medida que me encho de tudo o que vem a ser eu, reunido, e não fecho a torneira porque o rio não tem tamanho e minhas mãos estão atadas. Bebo da fonte e é sempre água, exceto que digiro outras bebidas e são amargas, talvez contaminadas, as mãos alheias são ricas em germes e a minha própria, mesmo amarrada. Você não se banha num mesmo rio mais que uma vez, mas a primeira vez empurrará a segunda na lama, mais ao fundo, até que se encontre um lugar que não é mais rio, e se possa descansar. Enquanto isso, repito afogamentos como num transtorno obsessivo compulsivo que se chama viver.

22.05.2015

A matéria do teu corpo constrói mentiras ao meu redor. Um horizonte reconhecível, o fim do azul no céu, a borda do meu caminho no mundo, você costumava me dizer até que altura o copo enchia, e mantinha um moinho trabalhando, incansável. Agora não posso te distinguir senão como marca, nesse território contaminado a ponto de não sabermos a cor da terra, você é um fantasma com pegadas, anti-matéria, anti-presença: passos que não cessam de andar em mim. Estou na parte mais funda do rio e sozinha, já não preciso de tuas digitais nos meus pulsos, eles estão mais calmos aqui onde tudo é uma absurda pressão da água e uma triste ausência de luz. Sou também uma marca no escuro, e logo meu corpo sobe à superfície. 


21.05.2015

Um passarinho na minha mão se alimenta, bica a gordura da minha pele, entre as sementes, uma proteção na minha carne, suas falas são a fome delicada e o repetir do movimento do pescoço para que o bico alcance o alimento. Um passarinho canta na minha mão, entre o grave e o agudo do som, caio em um abismo chamado toque dessa música nos ouvidos, afunda tímpano adentro, procura também um alimento. Um passarinho dorme nas minhas mãos, seu sono é o quanto eu o amo e ele pode dormir porque é amado, porque existe em outro e é olhado na morte, no desligamento de sua fome, sabendo que ela retorna, sempre. 

quarta-feira, 20 de maio de 2015

20.05.2015

Descosturem-me da palavra porque aqui é um falso-fora. Arranquem-me da liberdade do poema porque aqui a porta abre para o mesmo lado. Distanciem-me do que digo para que eu possa finalmente pensar que eu expulso escritos de mim onde dói e onde é mais silêncio que palavra. Não sei ejetar-me com o poema, nem com a dúvida, nem com a certeza. Quero dormir longe do que possa significar algo, ali onde a boca não serve pra dizer. Não quero que liguem minhas evidências ao crime de ter sentido tudo o que escrevi. Nem quero ouvir uma leitura alta e com pavor me reconhecer. Então, retirem-me do poema, e me esqueçam num lugar onde nenhuma palavra me encontre.

20.05.2015

O cansaço das minhas costelas a rebentar tua história. Um óleo saindo da casca do meu coração, um choro. Tontura e náusea: minha bílis derramada com a longura dos teus beijos. O trajeto das tuas mãos nas minhas reações, no avesso, o esconderijo da tua alma na química do meu corpo. Abre uma cova silenciosa, a terra ainda quente pelo fim da tarde, abre uma caverna delicada, durmo ou morro ou amo.

terça-feira, 19 de maio de 2015

19.05.2015

Rodízio de descarga corporal. Dionísio chora desencantado. Há um entupimento na fala. Uma palavra rasteja em mim atrás do seu sentido. Uma palavra umedecida com teu sêmen. Estamos na retina da loucura que não se olha, mas deseja. O desamparo da palavra sem sentido. Réstia de encanto. Alucinação de abraço. Asfixia de sentido de palavra atrasado. Pulsão lombar alcoólica. Dionísio desencantado não chora.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

18.05.2015

Engordo o cansaço a cada dormida. Meu inconsciente mal espera eu fechar os olhos para arrombar as portas e saem correndo de lá uma enxurrada de demônios, porcos grunhindo, coringas do Leto, meninas sem as pernas (como correm elas?). Eu engordo minha depressão com os dias, porque quando o porco é abatido ele grita mais forte. Esqueci também de te mencionar sem o falo, sem o fato, sem a fala, sem, sem, sem. Tudo te falta, tão irritante. A mim sempre sobra: sobra a gritaria no inconsciente, sobra a lavagem que o porco come no café da manhã. sobra meus dias derrubados na lavagem, sobra meu corpo no espírito morto,  a elasticidade de meus nervos gastos sem, sem, sem, sobra eu principalmente.

18.05.2015

Eu não pulei. Eu menti. Eu não pulei, era alto demais, era frio demais, era longe demais de você. Eu menti, meus pelos pubianos não molharam o parapeito da sacada do teu prédio. Voltei e enquanto tu dormia abri teus colhões à faca. Não sangraram, não se desfizeram. Mentira de homem. Apertei teu coração com a navalha. Você não sangra em lugar nenhum. Você é todo fantasmagórico. Você é uma coisa que já morreu. Separo a tua cabeça do resto, nem sei qual parte de ti era mais inútil. Você não sangra de novo. Você escorre palavras de um dicionário inteiro sem nexo, sem importância, sem conexão comigo, sem nada que signifique alguma coisa no mundo. Como eu te odeio. Como eu odeio essa tua distância branca e covarde do mundo. Como eu odeio teus colhões plásticos. Como eu odeio teu coração de garoto patético. Escondo teu corpo embaixo do rio de um poema. Você é tão ridículo que cabe numa linha. Eu tenho tanta raiva que preciso de muitas. Nunca mais pulo da sacada do teu prédio. 

18.05.2015

Atiro-me no escrito como a mulher se atira no lago, com as palavras nos punhos como pedras nos tornozelos, exceto que: não me afogo, não morro, não afundo. Meu corpo retorna à superfície porque as palavras que me prendem no fundo não são pesadas o bastante, e a ingratidão da vida me puxa os braços, é leve, lenta, e meio molhada pela água do rio. As palavras não se decompõe na morte. Eu, há meses, esquecida no rio, como uma corpo não identificável, os pulmões acusando palavras que impediam minha morte constantemente, repleto delas, uma traição conjugal, o primeiro suspeito do meu fracasso de suicídio, ainda amo, ainda falo, ainda devolvo a água pela boca quando me socam o peito, mas a verdade é que não me socavam com força o bastante, e lá no fundo do rio nem deus sabe o que foi que eu engoli junto da água, do sal, do escape da morte, junto do silêncio de ter que viver, continuar. Espero o soco, o desfibrilador violento de uma mão que me odeie, alguém que me faça vomitar a palavra que me afoga, exceto que não há palavra capaz.

domingo, 17 de maio de 2015

17.05.2015

Um tiro de silêncio na jugular, e o sangue entupindo artérias como gordura, o fantasma estava no lugar errado da história. Você deslocou meus quadris. Suturas de falópio. Um anzol arrastando órgãos até o fundo da vagina. A artificialidade da minha morte enlatada. O silêncio abria espaços dentro. Empurrou-me para as bordas do meu corpo. Anestesia da fala. Fratura expositiva da minha vergonha em ter nascido. Mastigo a salvação, cai no estômago que não tenho.

17.05.2015

Aceitemos: somos vazios. Não nos esforcemos mais, por favor, uma vez que todos juntemos nossas forças no oposto do que estamos fracassando há séculos: não temos salvação - as forças devem fazer algo diferente se nos jogarmos na parede oposta desse manicômio. Parem de tentar, não há o que justifique tanto esforço, deus sabe que vocês não acreditam mais nele, qual seria a surpresa se vocês simplesmente parassem de seguir adiante, não é como se vocês estivessem se livrando de uma grande causa, não, vocês estão tão perdidos buscando justificar suas lutas que sequer conseguem ver a profundidade dos ferimentos e entender que: não, não vale a pena e nunca valerá. Aceitemos, perdemos o jogo, não temos a capacidade de entender com qual propósito doemos tanto, a não ser nos aceitarmos como bichos que doem porque se machucam o tempo todo numa selvageria tão bem orquestrada que passa aos olhos de todos o sentido da civilidade. Não, isso não nos enganará muito tempo, já estão pelos cantos do mundo se enchendo, empilhando, os doentes mentais, sem que vocês possam ainda aceitar: somos vazios e não será essa vida que nos encherá. 

17.05.2015

A cinza da boneca em Estocolmo se refaz num segundo e volta para o armário da menina morta. A morte da menina vira cinza e ela olha sua boneca rir num segundo de pânico. O riso da boneca vira cinza quando a menina chora num segundo de ódio. A língua da menina incha quando num segundo de silêncio a boneca fala a palavra que a menina não toca. A palavra vira cinza quando a menina percebe a inutilidade de sua boneca que fala. A cama da menina vira cova quando num segundo de melancolia a menina vira uma boneca. A cinza da menina não acaba já que a chama não cessa antes da morte. 

quinta-feira, 14 de maio de 2015

14.05.2015

Estava confessando meus pecados numa noite escura de sábado quando de repente percebi que deus já não é tão bem visto. Abri a cortina no mesmo instante. Ninguém ouvia minha confissão. Ninguém não. Deus estava ali escondido em alguma molécula que eu não sabia qual era, e fazia muito bem em se esconder já que não podia fazer coisa alguma por mim a não ser mandar-me rezar dez aves marias para que a culpa não me matasse, o estrago no meu coração já estava feito, vamos amenizar os futuros prejuízos, você está no lucro se não cair no inferno, mas quanto a sua vida: sinto muito. Saí correndo da igreja totalmente ressentida, não estava buscando o abraço de uma novena, nenhuma culpa me era assim tão insuportável quanto a solidão a qual deus me submetia. Eu era uma pecadora. Ele era aquele que perdoava. Nunca estaríamos juntos. Desci trinta degraus, estava muito embaixo. Quando de repente no final da escadaria percebi que não havia mais chão. A escada era o final do planeta, a parede que não nos deixava cair no buraco negro da nossa vida. Entendi que a vida era subir, descer, tão cansada que eu tava, e a igreja não voltava mais. Deitei pra descansar. Acha que consegui? Na mesmíssima hora deus saiu do meu umbigo, abriu com a mão minha pele branca, ficou entalado na altura dos ombros, parecia uma criança parida de atravessado, mas aqui não existia cesárea. Eu já não sangrava mais porque havia evoluído, saía de mim só a brancura pós moderna holográfica que é o sangrar poético de hoje em dia. E deus? Deus falava mas a voz saía da minha boca como um horroroso sistema de dublagem que me fazia desligar o filme imediatamente. Sim, agora deus falava através de nós. Agora deus abria nossos umbigos. Agora a gente era o avesso da ordem, aquela que buscava criar um sentido próprio achando que assim estava liberta do sentido de pecado. As nossas mãos mais enlameadas que nunca: socávamos o deus para dentro da nossa barriga novamente: brigávamos para nós mesmos criarmos um sentido próprio: deus morria e se debatia no nosso esqueleto: não quebramos a ordem: nunca. 

14.05.2015

Logo o sol se colocará no chão como seu final sem que o giro aconteça. O mundo está tonto. E eu estou parada no centro desse mal estar, uma ânsia infantil de girar eternamente para ver como é ser roubada de si. Sem nossos sentidos, o que veremos de nós mesmos? Mesmo o si é mais olhar que objeto, e isso cansa como a cansa a via láctea silenciosa. Agora não sangro mais. Já reparei que não faço mais covas, nem abro cortes no corpo, escoei tudo será? Estou na brancura de quem perdeu o sangue e não é mais ferida, não dói e não existe, não é vermelho, não é coisa alguma que não seja essa flutuação de corpo na galáxia. Se eu girar mais rápido, será que vomito algo?

domingo, 10 de maio de 2015

10.05.2015

Ode de entrar em modo de espera. Fracassa, carne que apodrece, diz uma história com teus lábios arranhados, oposta ao dia, à luz clara da manhã, uma meia calça escura, o rasgo óbvio do meio das pernas, o rasgo da meia, engolir a porra, engolir o elemento químico da criação de porcos em cativeiro, sugar com a sede dos desertos, o fracasso da areia na alucinação da água, o cheiro de animal a ser abatido no frigorífico, o sangue que dilui o gozo e esmorece a cor. Ode ao fracasso do sexo sem roteiro, o rasgo inconcebível e imprevisível da carne penetrada, ode ao estimulante alcoólico cúmplice do desastre, um brinde às mortes ocorridas no meio da madrugada quando tudo é silêncio e uma mão se enfia entre tuas pernas, implorando sentido à insônia, ode à desordem do escrito, às portas abertas do teu inconsciente sofredor de retardo mental, o barulho das portas batendo num soco atrás dos teus ouvidos, e uma lambida funda e sarcástica nessa mesma orelha. Ode de entrar em modo de paralisia do sistema nervoso, e trazer o inconsciente para o lado de fora do corpo, o que é alucinação está dentro, o que é sistema nervoso está fora, o que é fracasso está na borda pronto pra cair a qualquer momento.

10.05.2015

Não paro de fabricar catarro e cuspo com velocidade menor do que eles chegam. Não quero colocar na forma da poesia. Esse pão que o diabo amassa, e esfrega no corpo. O inconsciente não está lá para ser acessado, mas justamente não. Cheiro de café na cozinha. O cotidiano me derruba infinitas vezes, e eu sou levantada por não sei qual força hipnótica. Não paro de produzir quedas. Atualizo o sangue da ferida como quem renova o curativo, sou o espelho do inferno, não vou parar. Quebrei o botão que me desliga, ficou tarde demais para morrer.

10.05.2015

A carne era azeda, a úlcera funda. Uma cadela corria para fora da cidade, aos prantos, na sua condição de cu disponível, cadela não chora, ou corre, ou uiva, ou então é atropelada. A menina de vestido azul chora porque sua cachorrinha morreu. Loira, leitosa, com jeitinho de alma fraca, com face corada de ignorância, sua cadelinha, tão domesticada. Túmulo de carcaça animal no coração da menina.

10.05.2015

Um cavalo triste cortou o pescoço, matou-se. Nem a selvageria aguenta.

10.05.2015

Sou eu colocada na barriga de uma eternidade sem nunca furar a bolsa embrionária, eu toda sufocada, líquidos encharcando os pulmões com melancolia e perversão, um amor confuso e deformado, eu enfiada nesse planeta à contragosto, eu ainda esperando que me abortem depois de vinte e oito anos. A realidade é abstrata. O sentido é fabricado em larga escala num porão de uma loja suja no paraguai, hinários de igrejas falsificados, o cotidiano modelado, argila contaminada com os coliformes dos indivíduos que moram no lago. Sou uma bulímica com estômago vazio.

10.05.2015

É dez de maio e eu estou perdida entre duas eternidades de tempo, uma atrás e outra na frente, aqui onde estou: nada. É dez de maio e constituo uma estatística: sou eu, entre alguns bilhões, vou deixar rastros insignificantes, mas todos dirão que valeu a pena. Vou deixar. Porque acho que já estou de luto pela minha morte. Não há sentido entre duas eternidades, elas se comprimem até nos esmagar como insetos. Acho que estou de luto pela falta de transgressão do mundo: ninguém deveria viver sem que o responsável apresente seus argumentos, todos acadelados, felizes com seus biscoitos e osso de domingo. Não pensem que deus está feliz com vocês.

10.05.2015

A liberdade rompe as bordas do mundo. O planeta apresenta sulcos profundos, vaza sangue, essa putinha, mês a mês, esperando, esperando a hora certa para fazer seu ritual demoníaco de plantar outra semente, o filme de terror mais clichê do universo. O mundo tem a impaciência matemática das coisas, ele não aceita. É ignorante, acavalado em si mesmo. O mundo nunca é outra coisa. O sentido das coisas é um entupimento no intestino, não é saudável isso. O aborto é a primeira chance de não ser, como a própria vida não é um direito de escolha, por que é que a morte deveria? Ninguém me perguntou se eu queria o direito de nascer.

10.05.2015

Fomos paridos de um lugar desconhecido, sequer é um útero, sequer é uma coisa humana, sequer é algo imaginável, fomos paridos-ejetados-expulsos de um lugar sombrio chamado dúvida. Coloco minha cabeça no travesseiro a noite e rezo para que meu sono seja infinito, para que inche em todos os vazios do meu corpo. Isso não acontece. Há uma configuração satânica no mundo, veja bem, as pessoas acham que a desordem é caótica, mas apenas a ordem é perversa. O inferno é muito mais humano.

sábado, 9 de maio de 2015

09.05.2015

A costela de Adão no meu prato e eu lambuzada igual cachorro no osso. O cheiro dos ossos de Adão no meu queixo, lábios, na língua. O cheiro da culpa de ter mordido. A digestão maligna de ter mordido, a bulimia atrasada. A moral cristã na medula do osso que eu comi no jantar. Os ossos se acumulam no meu aparelho digestivo. Eu mesma era o esqueleto, eu mesma perdia a carne, eu mesma era construída na moral da culpa, na moral da dor, eu mesma era um osso, apenas, sem chance de ser outra coisa que não um osso.

09.05.2015

Não é que eu seja triste. Nasci num manicômio. O bercinho era a gaveta do necrotério. O mundo foi desconfigurado. Não é que eu seja triste, é que o abraço mais apertado era o da camisa de força. Não que isso me faça triste. Contra a fatalidade não há cura. Empregaram doutores mais loucos que eu, descartavam remédios nas latrinas. Isso nem é tão triste. O mundo é um hospital em crise, em falência, em choque, em surto, em superlotação. Mas isso não é triste.

09.05.2015

Não há sol que toque o coração lá dentro, protegido pelo corpo, na escuridão. Sua umidade é gelada, a maquinaria de um bombeamento ilude que ele fala, que ele respira, que ele chora. Não há sol que escorra pela garganta, no caminho das palavras, porque elas vêm de um poço humano, fundo, sujo, intocável às mãos de quem limpa. Não há sol que varra nossos órgãos, que os aqueça, que derrame sobre nosso sangue a sua luminosidade de meio dia. Aprendi que tudo dentro vive no cárcere do corpo. A sujeira se acumula. Não há escoamento, nem ao menos na hipocrisia do poema.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

09.05.2015

Capa de intestino de porco, elástico transparente, o rasgo no intestino do porco, na capa da pele do porco, na superfície. O porco servindo de capa de pele humana. A carne humana servindo de recheio de pele de porco. Corta para a escada. A fumaça descendo os degraus até o porco que chora na sala. A fumaça asfixia o porco que berra a facada a sala da casa. O choro do porco asfixia a menina que sangra na escada. O sangue da menina serve de capa para a tragédia humana. O recheio de choro para o intestino da menina que sangra na escada é encapado por fumaça. A menina morre. O porco vive.

terça-feira, 5 de maio de 2015

06.05.2015

Mãos tristes, mãos de dedos tortos na minha pele, excesso de melancolia, excesso de excitação, um risco insensato na ordem dos acontecimentos, você entrava em mim, você não saía, um risco no músculo do meu coração, um pequeno sulco que seria a causa do óbito. Você marcava caminhos pelas minhas costas, encerrava caminhos nos meus pulsos, se alojava em mim como quem buscasse esquecer. Eu me colocava  aos teus cuidados de assassino desleixado. Entre os lençóis, o cheiro do risco que era ser tua. O teu colo era um abismo. 

06.05.2015

O frio da noite pressionava meus seios. A cidade era suja e luminosa e me enchia de excitação. Eu sempre acreditei nesse anti-heroísmo pós-moderno de cidade sem paz, de homem sem caminho, de mulher desiludida, esse que exigia da gente uma produção literária mais afiada e também um choro mais amargo, e um gozo mais difícil. Eu gostava do frio pressionando meus seios, do hotel barato descendo a rua do teu prédio, daquele lugar que gente como nós não habitava e apenas ríamos, porque a gente via tudo o que era podre no mundo, e reconhecia só de cruzar o olhar um com o outro, e essa desesperança imensa era risível. Eu gostava também das tuas mãos pressionando meus seios, como essa mesma desesperança, agora porém, não tinha a graça alguma, apenas reconhecimento, a mágoa escorrendo pelos pelos da minha boceta, enquanto você me retinha na tua teia de depressão e possessividade, eu era tua, isso me machucava. E ainda, com não sei qual coragem, você pede que eu te olhe nos olhos, enquanto me fode, segurando os cabelos, e também segurando a minha vida inteira com a tua agressividade opaca, vazia, melancólica, e eu fiz a grande merda de olhar você nos olhos. 

06.05.2015

Nada me preparava para a cena horrível: a ausência da minha morte, a queda da placa de saída indicado a porta, pedaços no chão, tão plásticos, tão desprovidos de afeto. Nada me prepararia para o fato de que você não me mataria. Deus sabe que apenas os apaixonados matam. Nada me prepararia para aquele espaço entre o meu corpo e o teu chamado noite, essa espiã dos meus desejos que colava toda matéria na pele, toda a falta da matéria na minha pele, toda a tua falta colada na minha pele. 

domingo, 3 de maio de 2015

04.05.2015

Das coisas que me ligavam a ti: meus pulsos e meus enganos. Agora me tranco para o lado de fora da sacada, as pernas nuas para o lado de fora do parapeito, a cidade inteira sentindo meu cheiro de mulher desiludida, o vento era a única coisa que me abraça de verdade. Agora você ficava do lado de dentro do apartamento no teu narcisismo que nunca permite estar fora desse lugar de horror e antidepressivos. Vá dormir, vá dormir com a tua dose de morte artificial. A mim não basta, eu sempre precisei a umidade do sangue, do gozo e da cidade. Enquanto tu sonhava eu viva o pesadelo da realidade. Augusto me tentava, a língua no meu ouvido, e eu pegava uma tesoura e cortava a minha singularíssima vagina: olhe o que você fez comigo. Eu pulava.

03.05.2015

Já são cinco (horas) e ainda não salvei minha vida. Quando dormir hoje tentarei chegar até a parede do sonho, o final do corredor do meu inconsciente, eu abrirei a porta no fim do corredor das fantasias e vai estar escuro, eu sei, vai estar frio, mas é minha única chance. Com sorte, aquela menina, cujo nariz sangra incessantemente, me empurra, e eu caio lá. A porta fechando-se atrás de mim será um abandonar de tantas obras, uma cidade inteira de desilusões, espelhos quebrados embaixo dos pés, tantas implosões, tanta poeira, a visão embaçada e os gemidos, os risos, os choros, tudo me arrepiando as costas, tudo se condensando numa coisa só, numa visão remota do passado, que alívio essa porta para o escuro. Coloco o pé num degrau que não existo, não sei se desço, se subo, se estou de frente ou de costas. Passo o outro pé pelo limiar da porta. Algo lá dentro me excita. Será o quê? Fecho a porta.

sábado, 2 de maio de 2015

03.05.2015

O ponto sem retorno, a escada até o paraíso, o péssimo marceneiro. Um desmoronamento. Meu corpo em pedaços, mastigado pelo desencontro que é viver. Você guarda meu erotismo no bolso, perto o bastante do saco pra te manter ereto, você me guarda perto. Já não sei se gozo ou se sangro. Há muito tuas mãos me tocam agressivamente. Subir essa escada não significava coisa alguma, quando eu inteira descia a rua para qualquer caminho que me levasse a tua cama. Tu penetrava até um ponto sem retorno, eu te mantinha em mim. A destruição não me incomodava, eu subia para um lugar onde a fé não é mais necessária. A minha boca não perguntava.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

02.05.2015

Uma boneca que chora vem para o meu colo. Perdeu as pernas, a boneca. Quer minha alma. Some. Eu esperei você escorrer de mim até a última gota. Você é um boneco de cera. Você é indizível, monstruoso. Você afunda no tocar dos dedos. Eu, a carregar uma boneca paralítica que chora, invertendo as portas da casa abandonada, entrando em todo e cada lugar errado, acabo sempre no banheiro, perto da sujeira. Você um monstro desligado. Coloco a mão na boca da boneca. Pare de gritar, pare de chorar, ele vai ouvir. Ela não para porque não é a boca dela. Eu choro porque não é a boca dela, mas a minha. O homem feito de cera anda até o banheiro. Desligado, escorrega a mão na fechadura, três vezes. Eu coloco a boca no buraco da fechadura. Abro o máximo da garganta, o meu choro afunda o boneco. Ele derrete. Eu esvazio.

02.05.2015

Eu escrevia porque não podia me defender. Crescia em mim uma bola de mágoa igual a uma bola de pelos no estômago do gato. Crescia em mim um escrito cada vez que eu não podia retalhar a tua cara. E você, olha o que você fez comigo, costurou minha vagina a seco, você me encheu de cal, até que escorresse de mim todo tipo de líquido cinza, e ia endurecendo, e era tão insuportável. Uma serpente mordia meus calcanhares, o veneno subia como uma maré bem nivelada, e de repente eu sentia as ondas da morte me agarrando. Olha o que você fez comigo, amarrou duas cobras cada uma em um dos meus calcanhares. Olha o que você fez comigo, agora sou o veneno da cobra.

01.05.2015

Não podíamos nos tocar sem que planos suicidas fossem traçados. Como eu poderia lavar meus cabelos naquele banho onde confessamos como nos mataríamos e quais eram as melhores formas? Eu tinha que aceitar teus dedos limpando minha maquiagem como uma delicadeza máxima daquele momento de dor. O mundo é uma roda que atropela. A cerveja quente que me servia não era o bastante para me arrancar da realidade e eu sabia que estava no ponto errado do planeta, no ponto errado do país, no ponto errado de uma cama qualquer que nem era minha, e também cujo sexo não podia me levar ao gozo, e eu insistia porque sangrar perto de ti era o suficiente para que eu entrasse num orgasmo fingido, num orgasmo merecedor do meu corpo, num orgasmo fictício. Não podia congelar meu corpo nu na tua máquina fotográfica, você era um assassino que me queria crua e sabia que apenas na falta da respiração a crueza residia, tu me levava até lá. Eu ia como um bicho agarrado ao teu pescoço.

01.05.2015

O que tu fez com minha goela? Que nem digo mais nada e o que digo é também nada. Enquanto eu andava pela Augusta numa noite vasta, porque são paulo era uma cidade que te puxava para o alto, e tu sentia que teu asfixiamento progredia enquanto aqui tudo congelava - enfim, enquanto eu descia aquela rua, rindo de um hotel muito asqueroso com bêbados na frente e dizendo pra ti: aqui que vamos dormir? e tu sorria mesmo engolido pela depressão, e eu sorria mesmo engolida por você, enquanto eu descia aquela rua onde não sei quem importante foi assassinado e eu te dizia: além de quantos? e não queria saber dos importantes, eu mesma era tão ordinária, era tão descartável, tão monótona. enquanto eu descia aquele caminho ao inferno eu não sabia que eu seria uma das mortes que marcariam aquela rua, na altura do apartamento mais alto, onde dava pra ver janelas de esperança dos prédios que contavam mentiras familiares, e teu farol piscando, um ponto de meditação ridículo no qual tu se agarrava para fugir de si, não, não fugia, tu era condenado a correr sem chegar ao fim, e tu sempre corria e isso era tão desprezível. a mim parecia mais que a cidade abria espaços mais longes, e o ar do universo lá onde a gravidade não derruba nem oxida nem mofa nem aquece, lá onde a umidade não é chupada pelo ar, lá onde o corpo não era enganado pela matéria, todo esse ar recém humanizado me tocava e eu podia pular daquela sacada e morrer feliz porque estava gelada e amada e em paz mesmo escrevendo a tragédia. 

01.05.2015

Você me abraça como se estivesse vivo, na luz de um sonho. O céu em são paulo apresenta raios, e autopsiam o universo, lá onde não podemos tocar. Não vamos longe. Não vamos nem ao menos perto. O teu segredo em supernova brilha e se consome. Você busca a destruição. A tempestade divide a nuvem, estamos um em cada lado da explosão. Dois planetas. Dois corpos celestes que não se tocam. Uma história amassada nos dias. A origem era uma dinamite estelar, não era pra fazer sentido, somos restos. Somos fumaça formando rosto. Não me beija sem que te sugue minha psicose de buraco negro, não te beijo sem que eu mesma me engula e chegue até o vazio. Somos fumaça.