terça-feira, 29 de março de 2016

Verde contra o universo, dentro de mim as coisas cresceram inúteis - os nervos se apertaram contra os sonhos - dentro de mim as palavras não sabiam a hora de dizer amém, a noite tateava o rosto de deus como um cego tateia o rosto de quem lhe diga um oi, um tímido oi, uma pequena abertura contra todas as planícies falsamente abertas, nem por isso era mais fácil dizer, nem por isso as palavras relaxavam, a palavra era sempre um pedido de socorro contra tudo que cresce inútil

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Eu abro todos os sonhos como ostras arrancadas do mar, há muito tempo eles encharcam a pele de sal e ardem suas mínimas feridas, há algum tempo o mar mostrou-se um esconderijo instável, eu queria abrir a boca como os sonhos, porque ela foi arrancada da nascente das palavras, e toda fissura arde como um poema salgado, instável, mínimo.

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A morte tem mãos delicadas, boca silenciosa, caminha lenta, com preguiça. Não gosta da eletricidade das palavras, disfarces para caminhos longos, ela é um afastamento - como um campo ceifado que se abre para a distância, abre os olhos, o corpo - seu espanto é líquido, a morte tem um coração delicado.

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O delírio do poema demanda a vulnerabilidade do corpo

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As palavras crescem como plantas pacientes - seus talos e raízes abrem violentamente nossas bocas - sentimos o gosto da terra com incerteza e mágoa - na garganta a grosseria do outono - todo silêncio é uma estação.

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Acidentar todas as mãos por cima dos poemas - derrubar gestos 
como se estivessem encharcados de erros; buscar o machucado da palavra com a ponta dos dedos - atrás de um silêncio há um outro - ele cheira à alfazema - ele diz que o corpo é um gesto derrubado, o machucado de uma palavra, um acidente poético.


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Imagino deus entediado. Imagino-o acima do peso. Imagino-o no meio de seu ataque cardíaco: toda espécie de flores caindo de suas mãos. Imagino um animal de pupila dilatada - jogando fora poemas. Imagino-o na luminosidade de uma veia rompida: o mundo está aberto - fatiado - como uma ferida entre as pernas de uma mulher - imagino-a sangrando - um animal entediado no alto de sua isquemia.

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Alimentar com delicadeza os animais assustados - alimentar com a delicadeza os animais assustados - alimentar-se da delicadeza dos animais assustados.