quinta-feira, 14 de maio de 2015

14.05.2015

Estava confessando meus pecados numa noite escura de sábado quando de repente percebi que deus já não é tão bem visto. Abri a cortina no mesmo instante. Ninguém ouvia minha confissão. Ninguém não. Deus estava ali escondido em alguma molécula que eu não sabia qual era, e fazia muito bem em se esconder já que não podia fazer coisa alguma por mim a não ser mandar-me rezar dez aves marias para que a culpa não me matasse, o estrago no meu coração já estava feito, vamos amenizar os futuros prejuízos, você está no lucro se não cair no inferno, mas quanto a sua vida: sinto muito. Saí correndo da igreja totalmente ressentida, não estava buscando o abraço de uma novena, nenhuma culpa me era assim tão insuportável quanto a solidão a qual deus me submetia. Eu era uma pecadora. Ele era aquele que perdoava. Nunca estaríamos juntos. Desci trinta degraus, estava muito embaixo. Quando de repente no final da escadaria percebi que não havia mais chão. A escada era o final do planeta, a parede que não nos deixava cair no buraco negro da nossa vida. Entendi que a vida era subir, descer, tão cansada que eu tava, e a igreja não voltava mais. Deitei pra descansar. Acha que consegui? Na mesmíssima hora deus saiu do meu umbigo, abriu com a mão minha pele branca, ficou entalado na altura dos ombros, parecia uma criança parida de atravessado, mas aqui não existia cesárea. Eu já não sangrava mais porque havia evoluído, saía de mim só a brancura pós moderna holográfica que é o sangrar poético de hoje em dia. E deus? Deus falava mas a voz saía da minha boca como um horroroso sistema de dublagem que me fazia desligar o filme imediatamente. Sim, agora deus falava através de nós. Agora deus abria nossos umbigos. Agora a gente era o avesso da ordem, aquela que buscava criar um sentido próprio achando que assim estava liberta do sentido de pecado. As nossas mãos mais enlameadas que nunca: socávamos o deus para dentro da nossa barriga novamente: brigávamos para nós mesmos criarmos um sentido próprio: deus morria e se debatia no nosso esqueleto: não quebramos a ordem: nunca.