quinta-feira, 15 de outubro de 2015

15.10.2015

Entendi que não posso enlouquecer: escrevo. Para cada delírio invento um motivo, e para cada motivo um culpado: sou religiosa ao extremo: canto hinários de morte disfarçados: a última palavra do poema abrirá crateras: túmulos carregados com o choro de um cachorro faminto: ele sempre está faminto.

Para cada verso há um lugar no qual eu me calo mais fortemente.

Entre a loucura e a realidade existe a linha que repito: sou religiosa ao extremo: rezo antes de dormir, sempre sonho que o inferno me leva. Meu jantar é composto de pão e vinho, mais vinho, muito mais, e também incluo na reza um altar para o álcool: esse instrumento de abrir os sonhos como se abrem as latas de sardinha, e descobri-los com olhar de peixe, igualmente mortos, igualmente apertados em metais baratos. 

No fim de cada palavra há morte, um instante de traição.

No final de palavra há um corredor sem portas. No final do poema o espelho se parte e voltamos ao silêncio da ausência de imagem: plantamos as patas no lugar para o qual não há mais outro lugar para ir: isso é o desespero do fim do poema. Inventamos outros, e mais outros, como não fossem degraus idênticos daquele prédio enorme cujas janelas dão para o lado de dentro, apenas, e terrivelmente para o lado de dentro onde os elevadores param em andares imundados de mágoa. Não temos pernas para as escadas, não temos as patas do cavalo. 

Ocupa-me até a morte como um observador de gaivotas.

O choro do cachorro confunde o choro da gaivota e ela diz simplesmente que não se ocupará afetivamente do teu olhar pousado na janela enquanto foge de todos os lugares existentes. A gaivota foge sempre, não importa em qual montanha ela esteja. A ti, observador enterrado em estranhas arquiteturas cujas janelas não dão para o lado de fora, resta observar a fuga e sonhar que ela encontre a cobertura de qualquer lugar existente. Não estranhe o vento gelado quando ela canta: o elevador está parado no meio da uma montanha e tu não pode usá-lo. 

Apegar-se ao sonho é empurrar a última palavra do poema. 

Ocupar-me até a morte com os mesmos dizeres. Fingir que são novos, fingir que eles invadiram novos pedaços de corpo. Mentir que eles continuaram após a última palavra quando todos me viraram as costas. A última letra é um coração jogado fora, a última letra é uma promessa falida, o choro de um cachorro faminto: no poema o elevador para nos andares errados e tu desce na montanha e não há nada nela.