domingo, 29 de março de 2015

27.05.2015

Quando engravidei meu útero ao invés de inchar, murchou. A cada mês da gestação eu sentia esse receptáculo bizarro chupar-se mais para dentro de si. Um egocentrismo perverso, um desespero de quem não se conhece, não se sabe, e busca na última gota uma resposta. No ultrassom, a enfermeira me dizia: cadê seu útero, senhora? Sua gravidez é ectópica, mas cadê seus ovários? Que óvulos a senhora fecundou nessa escuridão feminina de sua barriga? Eu chorei muito. Nos enjoos entre os restos alimentares encontrava pernas, braços, o pênis - era um menino! - e entendia que estava ejetando aquilo que ainda não estava pronto. O médico veio falar comigo: o que é que a senhora pretende colocando um filho nessas condições no mundo? A essa altura, eu apenas chorava. As palavras não expeliam de mim mais nada, porque um bebê mal formado sempre pulava da minha boca quando eu pensava que deveria dizer algo. Era tão injusto. Eu sequer era uma mulher. Eu sequer confiava no meu aparelho reprodutor porque ele não tinha a ver com o amor. Eu entendia que as trompas de falópio não eram caminhos de ternura, que a minha vagina não era uma porta amorosa para qualquer coisa que fosse o meu coração. E no entanto, estava lá, a expelir crianças magoadas, a expelir histórias desenganadas, destinos destruídos. Escrevi num papel ao Dr.: Interrompa! Ele riu e disse: mas interromper o quê, minha senhora? Nem útero você tem!. Eu estava apavorada porque o parto era marcado para a semana seguinte, e o sexo que gerou essa criatura era uma anti-penetração, era algo que não guarda o pênis dentro, mas o cospe fora num movimento de erotismo sangrado, era o revés de uma semente plantada, uma árvore de ponta cabeça, o avesso do meu coração.