domingo, 19 de abril de 2015

20.04.2015

Mantém-me por perto, apesar do leque de remorsos que vai desde eu ter nascido, até ter te beijado, passando pela leitura do Dorian Gray quando era novinha porque isso era tão cult e eu achava que era o que encheria o mundo até a borda. Ao invés disso eu sou refém daquele quadro medonho desde meus quinze anos quando uma psicóloga dizia: 'liberte-se, vire uma vadia, iremos todos morrer', e eu rezava com ela o hinário dos desesperançados esperando que ou a leitura ou a putaria me salvasse. Alguém devia ter colocado no teu contrato aquela cláusula que falava sobre a tua alma que já não valia muita coisa, sendo tão rala, tão indisponível para a verdade, como uma roupa gasta de mendigo, a sustância de teu espírito era leve como uma pena, enfim, aquela cláusula onde tu se desfaz dessa coisa miserável que tu chamou de alma a vida inteira. Enchi meu corpo com areia desde que perdi a minha, virei um encosto para portas que batem facilmente com o vento. Ah, você não sabia que eu também tinha perdido minha alma? Não como o Dorian, isso seria tão previsível. No lugar onde estou não há quadros, não há paredes, os pintores choram, os artistas choram, não há um grande legislador que nos ame, nos enfie afeto, nos des-mentirize. O lugar onde estou queima tão lentamente e eu estou tão sem alma que não posso mais distinguir as cinzas daquilo que chamei a vida toda de lar. A fuligem me abraça. A fuligem me aquece. A fuligem me coloca cor na pele. O fogo me ama.