terça-feira, 21 de abril de 2015

21.04.2015

Três horas de insônia, uma de sono, e vinte segundos de sussurros ao meu ouvido. Sou acordada pelo fantasma que insiste que essa casa é dele. Ele olha meu rosto dormindo, inquieta-se até o choro, sopra no meu ouvido lamentos demorados, derramando a voz dentro do meu tímpano. Ele não tinha necessidade de colar aquela boca na minha pele. entre eu e ele, não há caminhos paralelos, não há o espaço fora, há apenas um e outro cujas fronteiras se esmagam. Sinto um gosto amargo na boca. Descobro que ele enfiou os dedos na minha boca, e na menor abertura, enfiou minha vida o quanto pode, até que minha boca se fechasse novamente e levasse para um túmulo corpóreo todas as tragédias. Ainda há pedaços não mastigados. Ainda há pedaços não engolidos. Ainda há mais do amargo. Olho fixamente para este fantasma. Não pretendo falar, uma boca entupida de desgraças perde a força, a lei da inércia faz com que a língua ganhe um peso contra o qual não se pode lutar. Onde não há espaço, porém, não há palavras. Não havendo palavras, estou dispensada da fala. Havendo esmagamento, estou amarrada a esse fantasma. O meu corpo diz que sou mágoa. O meu corpo diz que sou um desejo degolado. O meu corpo diz que não posso olhar se não para esta nascente de sangue que ele abriu no meio da minha barriga. Ele me olha, tão alheio à minha condição de mulher sequestrada, delega a deus todos os pedidos de perdão, e eu espero sentada na cama o dia em que deus fará isso por ele. Eu direi que não perdoo. Nem ele. Nem deus. Nem ao mundo. Não importa. Esse pedido está guardado para a hora que o sangue não verter, exatamente quando se tornar inútil. O fantasma abre sua boca, usa a mão para segurar meu queixo, abre novamente a minha boca com os dedos, cola os próprios lábios nela, e então chora novamente dizendo que tem sede.