quinta-feira, 30 de abril de 2015

30.04.2015

No fundo ela sabia que o maior prazer que iria arrancar da vida era a sensação de limpeza da própria casa depois de um dia de faxina. No fundo ela sabia que não sairia dessa casa tão cedo ou com tanta vontade porque o mundo nem era um lugar legal. No fundo ela não se importava com a morte, e também se deus existisse, muito pior pra ele, porque ela tinha mil reclamações a fazer. No fundo ela escrevia apenas, e apenas mesmo, por catarse, e isso a aliviava mas, ao contrário do que parecia, não a salvava. No fundo ela sabia que as palavras não serviam. E que se todo mundo escrevia era apenas pra dizer que as palavras não serviam, que queriam mais do mundo e o mundo negou tudo. No fundo algo de mim se desprendeu antes da morte, por engano, por descuido, por desafeto. Eu era uma sombra, eu era uma mentira, eu era um corpo vazio, uma palavra sem significado, uma onomatopeia fracassada em sua função de pedir socorro, um grito que tinha medo do próprio barulho. Não procurava sentido, procurava alivio. Até isso foi negado. Pedi tão pouco, e o pouco foi negado. Minhas realidades psíquicas baixaram as cortinas, eu fiquei sentada esperando o restante da peça, não, não, a mentira já acabou.