segunda-feira, 7 de setembro de 2015

07.09.2015

Eu te via numa mesa distante e tudo era um nevoeiro como se a noite estivesse se abrindo dentro do bar e um carro verde estranho estava parado na frente, talvez dos anos 60, talvez um modelo que nunca existiu, talvez tão antigo quando nossa história, e talvez igualmente defeituoso. Tudo era um problema. Nascer, falar, viver os dias, coisas aconteciam como um copo que cai e nada muda seu trajeto: milagres não atingem as cozinhas na hora do jantar, são coisas mais para madrugadas, ou quem sabe as primeiras horas da manhã, os jantares são tão ordinários e o excesso de sal sempre tira a possibilidade de misericórdia divina. Eu te via distante, porém, eu te via. E parecia que você era um abraço. E parecia que tu mencionava o meu olhar o tempo todo. E parecia que você nunca tinha saído dali. LÂMINAS DE BARBEAR tão inocentes. Eu não quis te empurrar para fora da cena, eu apenas queria um pouco de silêncio, e tua morte foi tão limpa que eu sequer pude chorar. O único ruído foi da tua saliva engasgada na garganta, gargarejo, não era pra você sofrer, apenas apagar. As minhas mãos não tinham força contra você. Mas eu fechei teus olhos antes mesmo da tua morte, e tu mesmo já os mantinha fechado há anos, tantos anos, eu apenas larguei a mão cansada em cima do teu rosto, e pedi: morre ligeiro, é preciso, por favor, antes que alguém me veja. Nenhuma poesia saiu da tua boca. O meu olhar continuava especialmente tocante. Você continuava um abraço. Morre logo, já fechei os olhos.